Dicionário Semântico do Hebraico Bíblico: um guia prático
O objetivo deste texto é introduzir ao
Dicionário Semântico do Hebraico Bíblico (DSHB) de
forma prática, comentando passo a passo um de seus verbetes e comparando-o com análises do
mesmo verbete em outros dicionários do hebraico bíblico em português.
O DSHB foi pensado, desde o início, como dicionário
eletrônico. Este é o primeiro elemento
que o distingue. Um dicionário eletrônico tem possibilidades para o usuário que seriam impensáveis
num dicionário impresso em papel. A possibilidade do uso simultâneo de várias janelas com
informações distintas amplia enormemente o valor de um dicionário eletrônico. Os principais
aspectos disso, no que diz respeito ao DSHB, serão notados e comentados brevemente neste texto.
Mas o DSHB não é um dicionário eletrônico apenas no que diz respeito ao usuário. Também
o é no que diz respeito aos autores dos verbetes e ao trabalho de preparação dos mesmos. Para este
trabalho foi criado um software específico, inicialmente chamado “Vocabula”. Hoje este software se
acha integrado a uma ampla plataforma denominada “Source Language Tools”, por sua vez
integrada à plataforma chamada “Paratext”, de amplo uso no âmbito das Sociedades Bíblicas
Unidas. Recentemente ela foi também integrada à plataforma “Libronics”, usada internacionalmente
na pesquisa bíblica.
Outro aspecto importante do DSHB é que já no processo de elaboração ele é acessável ao
público. Os resultados do trabalho nele se acham disponíveis no sítio
www.sdhb.org. Isso abre a
possibilidade de uma participação de mais pessoas, através de um sistema de comentários que
podem ser enviados por correio eletrônico, de dentro do próprio sítio, aos editores.
Naturalmente, isto tem também riscos. O risco é que o trabalho já mostrado no sítio seja
considerado definitivo, o que não é o caso. Trata-se sempre dos resultados provisórios a que se
chegou até o momento, dentro de um processo que vai trazendo desenvolvimentos, ajustes e
modificações à medida em que ele vai se dando. Se considerarmos a alternativa, contudo, o risco
vale a pena. A alternativa, normal num dicionário previsto como texto impresso, é que o público
tem que esperar até que o trabalho todo seja concluído para ter acesso aos resultados. E isso, no
caso de um grande dicionário do hebraico bíblico, normalmente leva décadas.
Neste texto não pretendo historiar o projeto que deu origem ao DSHB, nem entrar na
discussão de sua base teórica. Outro texto, a ser publicado num futuro não muito distante, tratará
destes dois aspectos. Aqui o objetivo imediato é apresentar uma espécie de “tutorial” ao uso do
DSHB na prática.
1. Abrindo a janela
O primeiro passo, para quem quer saber mais sobre o DSHB, é se dirigir ao endereço na
internet onde ele está localizado (
www.sdhb.org). Em pouco tempo, links para este endereço serão
encontrados no sítio da Sociedade Bíblica do Brasil (
www.sbb.org.br) e no sítio das Faculdades
EST (
www.est.edu.br). A SBB é a mantenedora, e financia o projeto de pesquisa “Cartografia
Semântica do Hebraico Bíblico” na Escola Superior de Teologia, dentro do qual é produzido o
DSHB.
Ao se acionar o endereço acima, abre-se uma janela de apresentação:
Esta janela, que tem como título geral o título do dicionário em inglês,
Semantic Dictionary
of Biblical Hebrew
(SDBH) dá acesso a várias opções: o dicionário em inglês, nas duas caixinhas
bem de baixo (“Background”, com informações históricas e teóricas; e “Dictionary”, que leva ao
dicionário propriamente.
O SDBH é um projeto das Sociedades Bíblicas Unidas (em inglês, United Bible Societies,
UBS) que, após vários anos de trabalhos prévios, teve início em 2002. O trabalho de pesquisa e
produção do dicionário é realizado por um grupo internacional de especialistas, ligados à UBS ou
ao meio acadêmico. O editor é Reinier de Blois, da Holanda. A partir de 2008, o autor deste texto
terá a função de co-editor do dicionário em inglês.
As três opções do meio, nesta primeira janela, levam às outras três línguas nas quais o
dicionário originalmente era previsto para ser produzido simultaneamente ao dicionário em inglês.
Delas, o trabalho nos dicionários em francês e em espanhol ainda não teve início. Já o dicionário em
português é o objeto do presente texto.
O leitor ou a leitora de língua portuguesa, portanto, clicarão na caixinha “Português”. Isso
levará a uma segunda janela de apresentação: a do
Dicionário Semântico do Hebraico Bíblico
(DSHB).
Nesta janela, há duas opções. A primeira leva a “Informações”, contendo várias janelas com
informações sobre a história e a base teórica do DSHB. O editor é o autor do presente texto. A partir
de 2008, haverá um pequeno grupo de trabalho que produzirá o dicionário em português, sediado
nas Faculdades EST, em São Leopoldo.
Um clique na caixinha “Dicionário” leva à janela onde se encontra o dicionário
propriamente.
Esta janela tem um núcleo central dividido em 3 partes. No centro estão os verbetes do
dicionário. É o coração, ao redor do qual se perfilam as outras 4 partes, divididas em 2 + 2. No
núcleo central, acima dos verbetes, aparecem as informações sobre o estado atual de produção.
Abaixo dos verbetes, temos uma sub-janela muito importante. Nela os usuários têm acesso
ao texto completo da Bíblia Hebraica, diretamente lincado às referências textuais no corpo dos
verbetes. Isso facilita a leitura e a checagem. Num futuro próximo queremos ter também, no mesmo
lugar e diretamente lincado ao texto hebraico, uma das versões portuguesas da Bíblia, para facilitar
mais ainda a leitura dos textos.
Numa coluna à esquerda, de cor diferenciada, temos o espaço de consultas, previsto para que
o usuário ou usuária possa encontrar especificamente o que procura.
Numa coluna à direita, por fim, vai aparecer a lista de todos os lexemas de cada letra inicial
hebraica que já se encontram disponíveis no dicionário em português. Um clique em qualquer
palavra leva diretamente ao verbete, que aparecerá então na parte central.
Os sistemas de lincagem e de acessos internos a esta janela serão explicados mais abaixo,
dentro do exercício tutorial de análise de um verbete do DSHB.
2. Uma breve apresentação de outros dicionários do hebraico bíblico disponíveis em português
O DSHB apresenta como seu diferencial o fato de ser um dicionário semântico. Seu foco
não está nas relações gramaticais, nem na simples apresentação de equivalentes na língua receptora
para cada lexema do hebraico bíblico, mesmo que estes aspectos sejam sistematicamente analisados
e levados em conta.
Se analisarmos os diferentes dicionários do hebraico bíblico, veremos que eles podem ser
agrupados pela quantidade de informações que transmitem. Seu padrão básico, contudo, é mais ou
menos o mesmo. Aqui me limitarei a comparar a proposta do DSHB à dos três outros dicionários
existentes em português, concentrando-me num estudo comparativo da análise que eles apresentam
do lexema hebraico
אב (av).
2.1. O
Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português (DHBAP)
O primeiro é o
Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português, elaborado por uma
equipe de pesquisadores brasileiros e publicado pelas editoras Sinodal e Vozes em 1988. Com 305p.
com duas colunas de texto, ele traz um inventário completo do vocabulário do hebraico bíblico
organizado em ordem alfabética (hebraica). Os substantivos têm apresentação sumária, com a classe
gramatical seguida de um ou mais equivalentes em português e a referência a uma ou mais
passagens bíblicas onde o uso de tal palavra é importante. Os verbos trazem os troncos nos quais
são usados nos textos bíblicos, seguidos das formas nas quais a palavra em questão se apresenta,
glosas ou equivalente(s) no português e referência a uma ou mais passagens onde o uso é
significativo.
No DHPAP há as seguintes indicações para o lexema
אב : que se trata de um substantivo
masculino (
m.); que algumas das formas em que o termo aparece são: a forma no estado construto
(
cs.), com sufixos (suf.) e no plural (pl.). Estas indicações são seguidas de uma série de equivalentes
possíveis do termo para o português. Equivalentes com significados distintos são separadas por (;) e
equivalentes alternativos de significados parecidos são separados por (,). Há no total a indicação de
7 significados distintos, ficando para o leitor ou a leitora a escolha das traduções mais adequadas
para cada referência textual. Nenhuma referência textual é dada aqui, embora em outros verbetes
apareçam uma ou duas, às vezes.
Um dicionário como este é útil para uma primeira aproximação à língua e a aquisição de um
vocabulário básico. Os equivalentes em português definem com certa precisão o significado das
palavras hebraicas.
2.2. O dicionário de Alonso Schökel (DBHP)
Uma segunda comparação nos leva a um nível maior de complexidade. O
Dicionário
Bíblico Hebraico-Português
, de Luis Alonso Schökel, publicado em espanhol em 1994 e em boa
tradução portuguesa em 1998 (Paulus), contém todas as informações do anterior e mais. O número
de glosas ou equivalentes em português é significativamente maior, embora em muitos dos casos a
sua simples listagem não ajude muito o usuário. Em muitos casos, porém, existe um precisamento
maior, relacionando equivalentes às passagens bíblicas referidas. O que já envolve um início de
interpretação, que quer orientar o usuário ou usuária em sua própria interpretação do texto bíblico.
Este dicionário vai além do anterior em mais um aspecto. Muitos verbetes não só
apresentam equivalentes em português, como também definições dos lexemas hebraicos que vão
além de meras glosas ou equivalentes. As definições são mais amplas e geralmente discursivas,
tentando esclarecer o que é expresso pelas palavras hebraicas.
O DBHP inclui ainda uma certa novidade, pela qual ficou internacionalmente reconhecido.
Para além de equivalentes e definições, muitos verbetes apresentam também uma classificação
semântica.
Seguindo a tradição dos dicionários de hebraico, Schökel divide sua análise de
אב em: a)
sentido próprio e b) sentido figurado.
O sentido
próprio é subdividido em: estrito, lato e função adjetival ou como nome regido.
Esta última subdivisão é, por sua vez, dividida internamente, a partir da observação de que ela
“define uma série de relações nascidas do sistema familiar, social, político e econômico” (DBHP
19). Quatro campos semânticos são então designados, com as referências textuais principais
elencadas: a) campo familiar; b) esfera sexual; c) campo político; d) determinação de espaço e
tempo.
O sentido
figurado é subdividido em vários aspectos: 1) geração; 2) proteção; 3) cargo ou
título; 4) título ou predicado divino.
2.3 O
Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento (DITAT)
O DITAT, publicado em 1998 por Edições Vida Nova, é tradução de uma obra americana do
início dos anos 80. Não é um dicionário de hebraico propriamente dito. Contudo, inclui pelo menos
um ou mais equivalentes em português para todos os lexemas do hebraico bíblico. Quando só
apresenta sugestões de traduções ou equivalentes, situa-se um pouco abaixo do nível quantitativo do
DHPAP. Boa parte dos lexemas, entretanto, é analisada por extenso em busca do seu conteúdo
teológico. As análises incluem muitos aspectos lingüísticos e semânticos relevantes. Vocábulos de
maior expressão teológica são premiados com pequenos ensaios, de várias páginas.
A seqüência dos lexemas, numerados, segue o modelo de blocos organizados ao redor de
raízes verbais, comprovadas ou assumidas, ou de palavras que pretensamente estão na origem de
outras. No caso de
אב , que aqui escolhemos para o estudo comparativo, vamos encontrar este
substantivo numerado como (4a) dentro do bloco (4) regido por
האב II, do qual, para os autores, o
substantivo se originaria. A análise de
אב se estende por quase duas páginas. A primeira parte é
dedicada à apresentação dos vários sentidos que a palavra pode ter a partir do significado básico
“pai”. A segunda parte, a maior, é dedicada ao estudo da noção de Deus como pai, em consonância
com a ênfase teológica deste dicionário.
3. O
Dicionário Semântico do Hebraico Bíblico: análise de um verbete
O DSHB, sem perder de vista o essencial dos três dicionários acima mencionados, vai além
deles em vários aspectos. A classificação semântica, que em Schökel aparece de forma intermitente
e que no DITAT aparece muitas vezes diluída dentro das análises apresentadas de forma discursiva,
vai se generalizar e ser uma característica de cada verbete. Uma olhada no verbete
אב no DSHB vai
mostrar que sua concepção é diferente.
O DSHB é obra de uma equipe de pesquisadores/as. Cada verbete vem com o nome do autor
ou autora. Todos os verbetes são lidos e revisados tanto pelo editor-geral como pelo co-editor. O
verbete que aqui será analisado,
אב , é assinado por Reinier de Blois.
Graficamente, o dicionário é organizado em três partes, perceptíveis já na disposição visual.
A primeira parte, numerada com algarismos, é a mais geral. No caso de
אב , só temos uma divisão
(“substantivo”) com o acréscimo do especificador “substantivo, nome próprio” seguido dos muitos
nomes próprios que, na Bíblia Hebraica, trazem dentro de si o substantivo .
אב
(1) substantivo, m |
עד בי א | substantivo, nome próprio | , סף ביא א אל , בי א רי , ז ע ה בי א בי , א
ים
, ב א טל, בי א ביטוב, א יל, ח בי א יל, ה בי א ביהוד, א ביהוא, א יה, ב א דן, בי א גל, בי א יל, ג בי א
שג
, בי א רם , בי א לבון , ע בי־ א זר , ע בי א סף , י ב א עם , ! בינ א דב , נ בי א ך , ל מ בי א אל , מ בי א
באב ש י שלום
, ב רם, א ב הם, א ר ב נר, א ב תר, א י ב א שלום, בי א שי, בי א ע, בישו א
A segunda parte, enumerada com letras em ordem alfabética, apresenta os significados do
termo hebraico em conexão com a análise semântica
lexical, que situa cada lexema ou vocábulo no
ou nos respectivos campos semânticos lexicais. Cada modificador que se introduza na análise das
referências bíblicas pede um novo parágrafo, onde as informações principais podem se repetir, mas
onde aparece um novo elemento que exige a distinção.
A terceira parte consiste da análise semântica
contextual, que rastreia e situa as palavras em
seus respectivos campos semânticos contextuais.
3.1. Parágrafo (a)
3.1.1. Análise semântica lexical
Parentesco
= progenitor masculino direto; ► normalmente responsável pela
proteção, cuidado, instrução e disciplina; ≈ tratado com respeito e
associado a sabedoria, segurança e conforto -
pai (Gn.2:24;
9:22
,23,23; 11:28,29,29; 19:31,32,33,35; 20:12; 22:7,7; 26:3,15 ...)
Todos os sinais gráficos utilizados são explicados diretamente. É só deixar o mouse
estacionado um momento sobre o sinal, que surge uma pequena caixa de texto com a explicação.
O sinal = indica uma “descrição”. A descrição de אב (a) é: “progenitor masculino direto”.
Como esta descrição sintética ainda pode ser melhor especificada, é acrescentada uma nova
frase.
O sinal ► indica “função” ou “resultado”. No caso aqui: “normalmente responsável pela
proteção, cuidado, instrução e disciplina”, um indicativo de função. Esta é a função de um
.
אב
O sinal ≈ indica “conotação”, usado quando alguma conotação importante ligada a um termo
pode ajudar a compreender melhor o seu significado. Aqui, a conotação é: “tratado com
respeito e associado a sabedoria, segurança e conforto”.
A primeira coisa que vemos no parágrafo (a) é uma palavra colocada por sobre ele, e
visualizada na cor verde:
Parentesco
Esta palavra indica o
campo semântico lexical de אב neste primeiro conjunto de referências
nos textos bíblicos. É uma indicação simples, de um único campo. O título indica todo tipo de
relações de parentesco enquanto lingüisticamente assinaladas.
Para se ter uma definição de cada campo semântico, basta demorar um pouco com o mouse
sobre o nome do campo, e aparecerá uma caixinha explicativa, que remete à definição. No caso
aqui, a instrução é para clicar sobre a palavra “Parentesco”. Isso feito, aparecerá uma outra janela
que, entre outras coisas, traz a seguinte definição:
Parentesco -
Termos para relaçőes de parentesco, como pai, măe, etc.;
exemplos típicos:
אם אב,
Quem quiser ter mais informações, recebe a seguinte instrução:
Clicar
aqui para ver todos os (sub-)verbetes no DSHB que fazem parte
deste campo semântico lexical
Clicar
aqui para ver a lista de todos os campos lexicais
Todas estas informações se encontram em janelas separadas, acessáveis desde esta janela
secundária. Ainda falaremos adiante sobre os mapas semânticos do DSHB, que representam todo
um universo de pesquisa integrado ao dicionário e ao mesmo tempo com características próprias.
Eles buscam mapear todo o universo lingüístico do hebraico bíblico, situando as palavras em seus
respectivos campos semânticos e conectando os campos semânticos de modo a se ter uma idéia da
percepção lingüística da realidade ou da visão de mundo dos hebreus no período bíblico.
A maioria dos dicionários apresenta simplesmente uma ou mais palavras na língua receptora,
que se julga equivalentes ao termo em estudo. O DSHB também apresenta equivalentes, que são
sempre o primeiro acesso que se tem em nossa língua a um termo de outra língua. No caso aqui,
neste parágrafo, um único, visualizada em
itálico:
pai
A definição e os equivalentes são seguidos por referências aos textos onde a palavra
אב
significa isto.
(
Gn.2:24; 9:22,23,23; 11:28,29,29; 19:31,32,33,35; 20:12; 22:7,7;
26:3
,15 ...)
Um aspecto importante é que o DSHB, diferente do que os dicionários normais, não contém
apenas algumas referências escolhidas por sua suposta representatividade, mas
todas as referências
deste termo, com este sentido, em toda a Bíblia Hebraica. Isso confere ao DSHB um valor de
concordância, sendo de grande utilidade para pesquisas científicas onde o conjunto da informação é
relevante. Naturalmente isso é facilitado pelo fato de ser um dicionário eletrônico, onde as
informações podem ser guardadas em janelas separadas e acionadas à medida da necessidade ou do
interesse.
Um último aspecto relevante é que não só todas as referências bíblicas são alistadas, mas
que com um clique sobre qualquer uma delas o texto hebraico daquela referência vai aparecer na
parte de baixo da tela, facilitando a consulta.
Gênesis 2:24
בק ד ו ו ! אמ את־ ו ביו את־א איש זב־ ע י כן על־
חד א שר ב ל היו ו ו ! שת א ב
Podemos perceber, assim, a riqueza de informações oferecidas pelo DSHB. E aqui estamos
falando só de um parágrafo. A análise de
אב contém outros 12 parágrafos, num total de 13,
indicados por letras (de “a” a “m”). Os números são reservados para a divisão maior, que no caso de
אב
é uma só, como vimos.
3.1.2. Análise semântica contextual
Dentro de cada parágrafo de análise semântica lexical, vamos encontrar um parágrafo
interno contendo o segundo modo de análise semântica do DSHB: a análise por campos semânticos
contextuais. Ela situa as palavras para além de um contexto lingüístico, indicando os contextos
psico-sócio-culturais onde elas adquirem a cor e a tonalidade específicas de seu uso lingüístico nos
contextos em questão.
Parentesco
Neste caso, temos uma superposição entre o termo que designa o campo semântico lexical e
o que designa o campo semântico contextual. Ambos são designados como “Parentesco”, mesmo
que haja uma distinção. Um designa uma relação intralingüística, e o outro uma relação
extralingüística, sócio-cultural.
Para se ter uma definição dos campos semânticos contextuais, o processo é o mesmo que no
caso dos campos lexicais. Basta demorar um pouco com o mouse sobre a palavra “Parentesco”, que
aparecerão as instruções que levarão a uma janela a partir da qual, em novas janelas, se poderá ter
uma lista das palavras pertencentes ao campo semântico em questão, ou uma lista completa de todos
os campos semânticos até aqui mapeados no trabalho de pesquisa no dicionário.
Este primeiro parágrafo, portanto, vem com uma designação contextual simples. Nos
próximos parágrafos veremos que em outros casos ela se especificará e se diversificará.
3.2. Parágrafo (b)
3.2.1. Análise semântica lexical
O segundo parágrafo (b), como dito acima, deve incluir algum modificador que exigiu a sua
apresentação em separado. O cabeçalho, com a indicação do campo semântico lexical em itálico e
na cor verde, é o mesmo, simplesmente “Parentesco”. A distinção vai aparecer na leitura da
definição e dos equivalentes propostos. A definição reza:
extensão de sentido de [a]: = progenitor masculino indireto
Os equivalentes em português são:
avô, antepassado
Portanto, neste segundo parágrafo teremos todas as referências textuais onde
אב significa
não “pai” no sentido físico direto, como no parágrafo (a), mas no sentido físico indireto. A tradução,
nestes casos, é ou “avô” ou então, mais para trás ainda no tempo, “antepassado”.
3.2.2. Análise semântica contextual
No caso do parágrafo (b), não há só uma, mas várias especificações de campos semânticos
contextuais.
Na janela principal só aparece a indicação do campo mais geral:
Parentesco
Esta palavra é seguida da seguinte sinalização:
[mostrar/ocultar campos contextuais]
Esta sinalização indica que a informação aí escondida pode ser acessada com um simples
clique do mouse sobre ela. Isto feito, vão aparecer as várias especificações de campos semânticos
contextuais nos quais se insere a palavra
אב no sentido lexical que lhe é atribuído no parágrafo (b).
-
- avô (Gn.28:13; 2Sm.16:3)
-
- antepassado, ancestral (Gn.9:18,22; 10:21; 17:4,5; 19:37,38;
22:21
; 31:3; 32:10; 36:9,43; Nm.18:2; Dt.26:5; Js.17:1; 19:47 ...)
-
- (mormente plural) antepassados (Gn.46:34; 47:3,9; 48:15,21;
49:29
; Ex.3:6,13,15,16; 4:5; 13:5,11; 15:2; Lv.25:41; 26:39;
1Sm.12:15 a
...)
Vida
אבות על־ אבות, אס ף אל־ אס ף - ser reunido aos seus
antepassados > morrer
(Jz.2:10; 2Rs.22:20; 2Cr.34:28)
Vida
אבות עד־דור אבות, בוא אל־ בוא - ir aos antepassados >
morrer
(Gn.15:15; Sl.49:20)
Vida
אבות עם־ הלך - ir ter com seus antepassados > morrer
(
1Cr.17:11)
Vida
אבות עם־ אבות, שכ ב את־ שכ ב - repousar com seus
antepassados > morrer
(Gn.47:30; Dt.31:16; 2Sm.7:12; 1Rs.1:21;
2:10
; 11:21,43; 14:20,31; 15:8,24; 16:6,28; 22:40,51; 2Rs.8:24 ...)
Vida
; Funerais עם־אבות רה קבו עם־אבות, קבר - enterrar algum
dos (ou ser enterrado com) antepassados
(1Rs.14:31; 15:24; 22:51;
2Rs.8:24
; 9:28; 12:22; 14:20; 15:7,38; 16:20; 2Cr.21:1; 25:28; 26:23)
Aqui vemos pela primeira vez uma outra característica do DSHB: as análises semânticas
contextuais apresentam não só os campos semânticos propriamente, mas também
traduções do
significado específico da palavra estudada, naquele contexto específico. Estas traduções não são
simples equivalências em uma só palavra, mas em forma discursiva, visando captar exatamente o
significado da palavra em determinado contexto concreto. Isto representa já um passo intermediário
entre o dicionário e a exegese de cada texto ou conjunto de textos bíblicos.
A título de exemplo, destaco o quarto significado apresentado. O segundo campo semântico
contextual deste conjunto de referências como sendo “Vida” (o primeiro é “Parentesco”; por se
aplicar a todos os casos listados neste parágrafo, ele é colocado só no início da lista, como seu
titular). Depois, então, vem o elemento distintivo das referências reunidas com este significado: é
uma expressão hebraica que significa “ser reunido aos seus antepassados”. Uma indicação ainda
mais precisa é que isso representa uma forma metafórica de dizer “morrer”, o que é graficamente
assinalado como “> morrer” (o sinal > indica sempre alguma transposição metafórica).
Os primeiros três conjuntos de referências pertencem a um só campo contextual, que é o
principal, “Parentesco”. Os conjuntos seguintes contêm, além do campo principal, um ou mais
campos secundários que ajudam a definir o contexto preciso em que o termo é aqui usado e à luz do
qual deve ser interpretado.
Quatro conjuntos de referências são ligados ao campo contextual “Vida”. Um último, além
de “Vida”, é ligado também ao especificador “Funerais”.
Todos estes campos “secundários” são sinalizados por construções lingüísticas próprias dos
mesmos. Por exemplo, no quarto conjunto de referências, já mencionado acima, há duas
construções hebraicas, distingüidas pela diferente preposição usada numa e na outra, que sinalizam,
como vimos, tanto para o campo contextual “Vida” como para a tradução aqui sugerida:
־ אל אסף
אבות על־ אבות, אסף
- ser reunido aos seus antepassados > morrer.
3.3. Parágrafo (c)
3.3.1. Análise semântica lexical
Passamos, então, para o terceiro parágrafo (c), que ainda tem como campo semântico lexical
“Parentesco”, como os outros dois. A diferença em relação aos outros dois se mostra, mais uma vez,
na definição e nos equivalentes em português. A definição reza:
= pessoa; ► o fundador de uma vila, cidade ou região, e usualmente o
antepassado da maioria dos seus habitantes
Segundo ela, nestes casos
אב pode se referir a qualquer “pessoa”, mesmo não havendo a
consangüinidade implicada nos significados analisados nos parágrafos (a) e (b). Especificamente, o
termo designa um “fundador” de um agrupamento social. Usualmente, como assinalado na
definição, há consangüinidade, mas não necessariamente. É de se perguntar se este fato não exigiria
algum complemento na localização semântica, do tipo dos que se acham nos próximos parágrafos
do verbete. São casos limítrofes, onde o DSHB expõe ao público sua interpretação provisória, com
abertura a que, mais luzes chegando, haja alguma modificação até a publicação final do dicionário.
Os equivalentes sugeridos para
אב com este significado, vêm logo atrás:
pai > fundador
O sinal >, como vimos, indica que um sentido básico, por um processo de metaforização, dá
origem a outro. Aqui, o significado básico “pai” se transmutará em “fundador” de determinado
agrupamento social.
3.3.2. Análise semântica contextual
Logo abaixo, ainda dentro do mesmo parágrafo (c), vem então a localização semântica
contextual.
Parentesco
; Cidade
Mais uma vez, temos aqui dois designativos contextuais: “Parentesco”, que localiza o
significado do vocábulo no mesmo campo contextual dos dois parágrafos anteriores, e “Cidade”,
indicando um segundo campo contextual, com maior grau de especificação e uma diferente
localização social.
3.4. Parágrafo (d)
3.4.1. Análise semântica lexical
Podemos, então, seguir nossa viagem pelo verbete
אב do DSHB. O próximo parágrafo (d),
contém pela primeira vez uma extensão metafórica no nível da análise semântica
lexical.
Parentesco > Divindades
A esta altura, quem acompanhou até aqui já pode intuir o significado disso: o campo
semântico lexical básico “Parentesco” é metaforicamente extendido para o campo “Divindades”,
indicando que características de relações de parentesco são lingüisticamente transferidas para o
campo “Divindades”.
A definição que segue explicita isso:
como [a], mas extendido a divindades: = divindade; ◄ comparada a
um pai; ► que dá vida, proteção, sabedoria, etc.
Nos casos aqui arrolados (cf. a lista de referências bíblicas) vale para o uso de
אב com este
significado tudo que é dito na definição do primeiro parágrafo (a), só que aplicado especificamente
a “divindades”, que nestes casos são representadas como “comparadas a um pai”; concretamente,
como provendo vida, proteção, sabedoria, etc. Ou seja, permanece o significado e muda o referente.
A tradução sugerida para
אב nestes casos é simples:
pai
Aplica-se, assim, à divindade o epíteto familiar íntimo.
3.4.2. Análise semântica contextual
Dentro deste parágrafo (d) segue-se, então, a descrição semântica
contextual.
Parentesco > Cuidado
Os dois campos ligados por um > significa que o campo contextual originário das relações
de parentesco é extendido metaforicamente para relações interpessoais e sociais de “cuidado” (com
o significado de “cuidar”, “atender”, “ajudar”, “ser solícito”).
Um indicativo de “mostrar/ocultar campos contextuais”, quando clicado abrirá o seguinte
quadro especificador:
Indivíduo > Deus
- (Deus como) pai (de uma pessoa) (Dt.32:6; Is.9:5;
63:16
,16; 64:7; Jr.3:4,19; 31:9; Ml.1:6; 2:10)
Indivíduo > Deus
; Rei - (Deus como) pai (de um rei) (2Sm.7:14;
1Cr.17:13
; 22:10; 28:6; Sl.89:27)
Indivíduo > Idolatria
- (um ídolo como) pai (Jr.2:27)
As três especificações semânticas apresentadas representam metaforizações onde o que se
aplica a um “Indivíduo” é extendido metaforicamente. No primeiro caso, a “Deus”: Deus como pai
cuidador. No segundo caso, também a “Deus”, com a menção de um campo semântico adicional,
“Rei” (campo importante na configuração social hebraica da época, e por isso devendo ser
sinalizado): trata-se de Deus como pai do rei, ou seja, como aquele que cuida do bem-estar do rei.
No terceiro caso, “Indivíduo” é extendido ao campo da “Idolatria”, referindo-se a um ídolo.
Este terceiro caso merece uma reflexão. Poderia-se protestar que fazer tal distinção entre
“Deus” (subentendido como “o Deus verdadeiro”) e “Ídolo” (entendido como falso deus) representa
uma extrapolação indevida, num dicionário que tem seu foco não na teologia mas na lingüística. O
protesto faz sentido e é legítimo. As razões que nos levam, no DSHB, a fazer tal distinção, não são
teológicas. São razões etnoculturais. Para a sociedade de onde surgiram os textos bíblicos, para a
auto-compreensão desta sociedade, esta distinção entre Deus e ídolo não só fazia sentido como era
crucial para a sua identidade. Esta se definia, talvez prioritariamente, por sua relação com seu deus
IHVH, cujas reivindicações monoteísticas exigiam ser considerado o único Deus verdadeiro, sendo
falsos todos os outros.
A necessidade de manter resumida esta discussão aqui, passa por cima de um fato
importante, que a percepção monoteística do povo hebreu não surgiu pronta, mas foi evoluindo ao
longo da sua história. Este fato é levado em conta na produção do dicionário, exigindo que cada
texto bíblico seja analisado sobre o pano de fundo de sua época de surgimento.
3.5. Parágrafo (e)
3.5.1. Análise semântica lexical
Parentesco > Acontecer
(Causativo)
= pessoa; ► o primeiro a se dedicar a certa atividade ou a mostrar um
determinado padrão de conduta -
a primeira pessoa a ... (Gn.4:20,21)
O conteúdo deste parágrafo é muitas vezes, em outros dicionários, simplesmente integrado
ao do parágrafo (c), entendendo-se que o significado é basicamente o mesmo. Num dicionário
semântico, porém, as diferenças são significativas. Enquanto que lá se tratava da pessoa que funda
uma cidade ou agrupamento social, aqui se trata de uma pessoa reconhecida culturalmente como a
primeira que se dedicou a certa atividade. Por isso o sinalizador de extensão metafórica “>
Acontecer”.
3.5.2. Análise semântica contextual
Note-se que este parágrafo não contém nenhuma referência contextual. Isso porque as
características deste significado não permitem que ele seja localizado num contexto específico.
3.6. Parágrafo (f)
3.6.1. Análise semântica lexical
Parentesco > Existir
(Causativo)
= pessoa; ◄ comparada a um pai; ► que deu origem a determinado
processo; ● usado só em relação a Deus -
pai > (Deus como) criador
(da chuva)
(Jó.38:28)
A semelhança entre este parágrafo e o anterior convida à pergunta, se eles não teriam o
mesmo significado. A diferença básica, no que diz respeito à semântica lexical, é entre “Acontecer”
e “Existir”. Questões como essa exigem, para seu bom encaminhamento, uma fina percepção
filosófica. A pergunta é se os antigos hebreus faziam essa distinção, que para nós hoje parece fazer
sentido. Não há uma resposta pronta. A resposta deve ser buscada num conhecimento o mais amplo
e mais íntimo possível das perspectivas filosóficas desta cultura, como se encontram espelhadas nos
textos bíblicos. Para o DSHB, a distinção faz sentido. Num caso se trata de uma atividade (mais
pontual), no outro da geração de algo (portanto, algo mais duradouro). Além do mais, como o
equivalente português indica, temos um processo metafórico aqui, com “pai” sendo usado para
Deus como criador de um elemento da natureza.
3.6.2. Análise semântica contextual
Mesmo se tratando de uma única passagem bíblica, temos uma definição contextual bastante
complexa:
Parentesco > Criação
; Indivíduo > Deus ; Clima
Duas das localizações semânticas contextuais são metafóricas. A primeira usa um referente
do contexto primário “Parentesco” para se referir a algo no contexto “Criação”. Se se perguntasse
porque nomeamos este campo semântico como “Criação” e não “Natureza”, como esperaríamos em
estudos de caráter científico, teríamos que responder que, isso sim, seria uma imposição cultural. Os
antigos hebreus viam a natureza como criação divina, e dificilmente a veriam de outra forma.
A segunda localização semântica parte do campo primário “Indivíduo” e usa suas categorias
para se referir a “Deus”. Este processo não precisa muita explicação. A terceira localização, enfim,
acrescenta o campo semântico “Clima”, por fazer parte do que está sendo referido neste texto
bíblico.
3.7. Parágrafo (g)
3.7.1. Análise semântica lexical
Parentesco > Servidores
= pessoa; ◄ comparada a um pai; ► conselheira de alguém em
posição de autoridade -
conselheiro (Gn.45:8; Jz.17:10; 18:19)
Como sempre, a definição ajuda a esclarecer a localização semântica. Lexicalmente, temos
aqui uma palavra do campo semântico “Parentesco” sendo usada para se referir a algo no campo
semântico “Servidores”.
3.7.2. Análise semântica contextual
Parentesco [mostrar/ocultar campos contextuais]
Aqui um clique no “mostrar/ocultar” vai abrir uma outra janela com mais detalhes:
Parentesco
> Autoridade - conselheiro (de um rei) (Gn.45:8)
Parentesco
> Sacerdócio - conselheiro (para assuntos religiosos)
(
Jz.17:10; 18:19)
As duas especificações contextuais aqui são oriundas de processos de metaforização. Do
campo “Parentesco” se usa um referente para dois campos distintos: “Autoridade” (trata-se de um
servidor “civil”, a serviço direto do rei) e “Sacerdócio” (trata-se de um servidor conselheiro em
questões religiosas).
3.8. Parágrafo (h)
3.8.1. Análise semântica lexical
Parentesco > Salvar
(Causativo)
= pessoa; ◄ comparada a um pai; ► que cuida das pessoas sob sua
autoridade -
pai > alguém que cuida de outra pessoa (Jó.29:16;
Sl.68:6
; Is.22:21)
Aqui há um aspecto interessante a comentar. A definição deixa claro do que se trata. O
campo semântico apontado é “Salvar”, derivado por metáfora do campo das relações de parentesco.
A designação “Salvar” aqui pode parecer estranha à primeira vista, a partir de uma pré-compreensão
mais “neotestamentária” de salvação. Mas ela é apropriada, e esclarece que o significado de
“salvar” no horizonte hebreu do período bíblico não tem tanto conotações “espirituais” mas
“materiais” (as aspas são para ressaltar que a própria distinção é um problema se se pensa a partir de
dentro deste marco cultural).
3.8.2. Análise semântica contextual
Parentesco > Cuidado
Fica aqui a pergunta, qual seria a possível diferença entre os campos semânticos “Salvar” e
“Cuidar”. No momento, no DSHB, a diferença maior parece ser que um define um campo
semântico lexical e o outro um campo semântico contextual. É um caso interessante que deve
induzir a mais pesquisas envolvendo as superposições e interpenetrações entre estas duas classes de
campo semântico (cuja diferenciação é um construto da pesquisa, não se achando no próprio objeto
em estudo).
3.9. Parágrafo (i)
3.9.1. Análise semântica lexical
Parentesco > Túmulos
= lugar; ◄ comparado a um pai; ≈ considerado como fonte de
segurança e conforto -
(o túmulo, considerado como um) pai > lugar
em que se experimenta segurança, conforto
(Jó.17:14)
Este parágrafo se faz necessário por haver nos textos bíblicos uma passagem em que
אב tem
um significado peculiar. Semanticamente, temos uma metaforização que vai do campo “Parentesco”
a um campo bem distinto: “Túmulos”. A definição deixa claro o processo e o resultado.
3.9.2. Análise semântica contextual
Parentesco > Segurança
; Vida
O processo de metaforização aqui, e a respectiva localização contextual, são claros,
dispensando comentários.
3.10. Parágrafo (j)
Grupos
בית־אב
= grupo de pessoas das quais alguém é ou se considera descendente;
◄ a menor unidade dentro do grupo familiar -
casa do pai > família
(
Gn.12:1; 20:13; 24:7,23,38,40; 28:21; 31:14,30; 34:19; 38:11,11;
41:51
; 46:31,31; 47:12 ...)
A partir deste parágrafo, as análises semânticas ganham novo rumo. Em vista estão grupos
de pessoas descritos em hebraico por expressões fixas oriundas do lexema
אב . Este elemento
também é sinalizado no dicionário de Schökel, dentro do subtítulo “Fraseologia” (DBHP 20).
Três destas expressões recebem cada uma um parágrafo próprio na análise semântica. Aqui e
no próximo parágrafo não precisamos comentar especificamente a análise semântica contextual, que
é simples, com o campo “Parentesco” se aplicando a ambos os casos.
3.11. Parágrafo (k)
Grupos
אבות ט ה מ
= grupo de pessoas das quais alguém é ou se considera descendente;
◄ a maior unidade dentro do grupo familiar -
tribo de origem
(
Nm.1:16,47; 13:2; 26:55; 33:54; 36:4,6,7,8)
A diferente expressão hebraica indica uma distinta unidade social. No parágrafo anterior se
tratava da unidade familiar básica, aqui da unidade familiar maior, a da “tribo”. Sabemos das
pesquisas sócio-culturais que havia ainda entre elas uma unidade intermediária, normalmente
designada como “clã”. Semanticamente esta diferenciação não é tão clara.
3.12. Parágrafo (l)
3.12.1. Análise semântica lexical
Grupos
אבות
= grupo de pessoas das quais alguém é ou se considera descendente;
talvez idêntico a [j]
-
antepassados (Ex.6:25; Nm.31:26; 32:28;
36:1
,1; Dt.18:8; Js.14:1; 21:1,1; 1Rs.8:1; 1Cr.6:4; 7:11;
8:6
,10,13,28 ...)
Uma terceira expressão hebraica é, gramaticalmente, simplesmente o plural de
אב . Que ela
designa um determinado grupo social, parece claro. Mas qual? Poderia ela designar o “clã”? Não
parece muito provável, pois sua referência parece ser mais geral que isso. A análise semântica
contextual pode, neste caso, ajudar a esclarecer isso.
3.12.2. Análise semântica contextual
Na primeira janela há uma indicação geral, “Parentesco”, que é comum a todos os campos
específicos que serão alistados na janela interna, acessável com um clique sobre “mostrar/ocultar
campos”.
Autoridade
לאבות שים רא האבות, שי ר שי אבות, ר - chefes das
famílias
(Ex.6:25; Nm.31:26; 32:28; 36:1,1; Js.14:1; 21:1,1; 1Cr.7:11;
8:6
,10,13,28; 9:9,33,34 ...)
Autoridade
האבות רי ש - chefes das famílias (1Cr.29:6; Ed.8:29)
Autoridade
האבות אי שי נ - chefes das famílias (1Rs.8:1; 2Cr.5:2)
Genealogia
אבות ל - conforme a ascendência (1Cr.6:4; 26:31)
Posses
על־אבות כ ר מ מ - (provavelmente:) venda de terra dos
antepassados
(Dt.18:8)
Aqui vamos encontrar mais algumas expressões, localizadas nos campos contextuais
“Autoridade”, “Genealogia”, “Posses”. Todavia, o esperado esclarecimento do qual falávamos
acima não veio. Semanticamente estas expressões não são suficientemente específicas para, a partir
delas, se diferenciar entre “família” e “clã”. Mais luzes sobre esta questão poderão vir de outros
âmbitos de pesquisa.
3.13. Parágrafo (m)
Títulos
= modo de se dirigir a um homem considerado superior por causa de
sua idade, status, autoridade, etc. -
pai (1Sm.24:12; 2Rs.2:12,12;
5:13
; 6:21; 13:14,14)
Aqui o lexema
אב , com o equivalente português “pai”, não se refere a vínculos naturais
entre pessoas ou grupos, mas a uma distinção social, como a definição esclarece. O campo
semântico para isso é “Títulos”.
3.14. As notas de rodapé
O último aspecto importante do DSHB para o qual se deve chamar a atenção são as notas de
rodapé. Já no parágrafo (b), junto à referência bíblica “1Sm 12:15”, encontramos um pequeno
sinalizador “a”. Ele aponta para uma nota. Se rolarmos com o mouse o texto até o seu final,
encontraremos duas notas, “a” e “b”, que se encontra no terceiro parágrafo (c), junto à referência
bíblica “1Cr 4:3”.
Todas as notas do DSHB são criadas diretamente em português, levando em conta o estado
da pesquisa e principalmente as várias versões portuguesas da Bíblia. O texto só apresenta as
abreviações, mas de novo uma pequena pausa com o mouse sobre a abreviação mostrará uma
caixinha com o título da versão por extenso. O DSHB leva em conta sistematicamente as seguintes
versões portuguesas da Bíblia:
ARA = Almeida Revista e Atualizada
NTLH = Nova Tradução na Linguagem de Hoje
NVI = Nova Versão Internacional
BJ = Bíblia de Jerusalém
TEB = Tradução Ecumênica da Bíblia
BV = Bíblia Vozes
BP = Bíblia Pastoral
CNBB = Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
BPer = Bíblia do Peregrino (Schökel)
A apresentação das notas é concisa. Vamos às duas que encontramos sob :
אב
(a)
1Sm.12:15 – TM ARA NVI TEB BJ; LXX BP CNBB NTLH “e
contra o seu rei” (cf. nota Bíblia de Estudo NTLH)
Logo após a referência bíblica, vem primeiro “TM”, que indica o Texto Massorético padrão
em hebraico, seguido de quatro versões portuguesas: “ARA NVI TEB BJ”, indicando que estas
quatro, junto com o TM, contêm a interpretação sugerida no corpo do parágrafo do verbete. No caso
aqui, interpretam
אב como “antepassado”.
Separados desta lista por um “;” vem uma lista de versões que apresentam uma interpretação
diferente da sugerida no corpo do verbete. Seguindo a leitura da LXX (Septuaginta, a antiga versão
grega), “BP CNBB NTLH” interpretam
אב aqui como significando “rei”. Uma última indicação
remete a uma nota na Bíblia de Estudo NTLH, que explica as razões desta interpretação alternativa.
O mesmo procedimento temos na segunda nota, “b”:
(b)
1Cr.4:3 – TM; BJ “Abi-Etam”; TEB “o pai de”; ARA “os filhos do
pai de”; LXX Vulg BP CNBB NVI “os filhos de”
O conteúdo desta nota é um pouco mais complexo. A primeira indicação é que o verbete
segue o TM em sua interpretação. A seguir, vem as interpretações divergentes. As versões
portuguesas mostram quatro alternativas de leitura da palavra neste versículo bíblico. As diferentes
alternativas, lembrando, são separadas graficamente por um ponto e vírgula (;).
As notas se fazem necessárias sempre que houver divergências significativas na
interpretação do significado do vocábulo em estudo em determinado texto bíblico. Não raro há
informações complementares, referindo a discussões na pesquisa especializada.
4. Os mapas semânticos do DSHB
No subcapítulo 3.1 vimos que as indicações de campos semânticos dentro dos verbetes do
DSHB levam a janelas onde se pode obter duas listas tanto de campos lexicais como de campos
contextuais. A primeira lista traz todas as palavras que compartilham do mesmo campo semântico e
a segunda traz a lista completa de todos os campos semânticos até aqui detectados.
A produção destas listas envolve pesquisas bastante complexas e, até o momento, ainda
provisórias. Um mapeamento semântico completo do hebraico bíblico é um dos objetivos deste
projeto de pesquisa. Por sua complexidade, este aspecto do DSHB exigirá um estudo à parte, a ser
publicado em futuro próximo.
O processo de pesquisa se dá de tal forma que o dicionário e os mapas se retroalimentam e
funcionam como dispositivo de checagem um do outro. Um mapeamento provisório inicial foi
usado de forma heurística para a produção dos primeiros verbetes. Por outro lado, o processo de
produção dos verbetes amplia e corrige a produção dos mapas. A base mais fundamental da
pesquisa é sempre a análise exegética detalhada de cada texto bíblico. Os mapas servem para
orientar um primeiro acesso semântico aos mesmos, e por outro lado são constantemente revisados
à luz das pesquisas nos próprios textos.
No hay comentarios:
Publicar un comentario