PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA
ÍNDICE
A interpretação dos textos  bíblicos continua a suscitar em nossos dias um vivo interesse e provoca  importantes discussões. Elas adquiriram dimensões novas nestes últimos anos.  Dado à importância fundamental da Bíblia para a fé cristã, para a vida da Igreja  e para as relações dos cristãos com os fiéis das outras religiões, a Pontifícia  Comissão Bíblica foi solicitada a se pronunciar a esse respeito. 
A. Problemática atual  
O problema da interpretação da  Bíblia não é uma invenção moderna como algumas vezes se quer fazer crer. A  Bíblia mesma atesta que sua interpretação apresenta dificuldades. Ao lado de  textos límpidos, ela comporta passagens obscuras. Lendo certos oráculos de  Jeremias, Daniel se interrogava longamente sobre o sentido deles (Dn  9,2). Segundo os Atos dos Apóstolos, um etíope do primeiro século encontrava-se  na mesma situação a propósito de uma passagem do livro de Isaías (Is 53,7-8) e  reconhecia ter necessidade de um intérprete (At 8,30-35). A segunda carta  de Pedro declara que « nenhuma profecia da Escritura resulta de uma  interpretação particular » (2 Pd 1,20) e ela observa, de outro lado, que  as cartas do apóstolo Paulo contêm « alguns pontos difíceis de entender, que os  ignorantes e vacilantes torcem, como fazem com as demais Escrituras, para sua  própria perdição » (2 Pd 3,16). 
O problema é, portanto, antigo  mas ele se acentuou com o desenrolar do tempo: doravante, para encontrar os  fatos e palavras de que fala a Bíblia, os leitores devem voltar a quase vinte ou  trinta séculos atrás, o que não deixa de levantar dificuldades. De outro lado,  as questões de interpretação tornaram-se mais complexas nos tempos modernos  devido aos progressos feitos pelas ciências humanas. Métodos científicos foram aperfeiçoados no estudo  do textos da antiguidade. Em que proporção esses métodos podem ser considerados  apropriados à interpretação da Sagrada Escritura? A esta questão a prudência  pastoral da Igreja durante muita tempo respondeu de maneira muito reticente,  pois muitas vezes o métodos, apesar de seus elementos positivos, encontravam-se  liga dos a opções opostas à fé cristã. Mas uma evolução positiva se produziu,  marcada por uma série de documentos pontifícios, desde encíclica  Providentissimus Deus de Leão XIII (18 novembro 1893 até a encíclica  Divino  afflante Spiritu de Pio XII (30 setembro 1943), e ela foi confirmada  pela declaração Sancta Mater Ecclesie (21 abril 1964) da Pontifícia  Comissão Bíblica e sobretudo pele Constituição Dogmática Dei  Verbum do Concilio Vaticano II (18 novembro 1965). 
A fecundidade desta atitude  construtiva manifestou-se de uma maneira inegável. Os estudos bíblicos tiveram  um progresso notável na Igreja católica e o valor científico deles foi cada vez  mais reconhecido no mundo dos estudiosos e entre os fiéis. O diálogo ecumênico  foi consideravelmente facilitado. A influência da Bíblia sobre a teologia se  aprofundou e contribuiu à renovação teológica. O interesse pela Bíblia aumentou  entre os católicos e favoreceu o progresso da vida cristã. Todos aqueles que  adquiriram uma formação séria nesse campo estimam doravante impossível retornar  a um estado de interpretação pré-crítica, pois o julgam, com razão, claramente  insuficiente. 
Mas, ao mesmo tempo em que o método  científico mais divulgado — o método « histórico-crítico » — é praticado  correntemente em exegese, inclusive na exegese católica, ele mesmo encontra-se  em discussão: de um lado, no próprio mundo científico, pela aparição de outros  métodos e abordagens, e, de outro lado, pelas críticas de numerosos cristãos que  o julgam deficiente do ponto de vista da fé. Particularmente atento, como seu  nome o indica, à evolução histórica dos textos ou das tradições através do tempo  — ou diacronia — o método histórico-crítico encontra-se atualmente em  concorrência, em alguns ambientes, com métodos que insistem na compreensão  sincrônica dos textos, tratando-se da língua, da composição, da trama  narrativa ou do esforço de persuasão deles. Além disso, o cuidado que os métodos  diacrônicos têm em reconstituir o passado, para muitos é substituído pela  tendência de interrogar os textos colocando-os em perspectivas do tempo  presente, seja de ordem filosófica, psicanalítica, sociológica, política, etc.  Esse pluralismo de métodos e abordagens é apreciado por alguns como um indício  de riqueza, mas a outros ele dá a impressão de uma grande confusão. 
Real ou aparente, essa confusão traz  novos argumentos aos adversários da exegese científica. O conflito das  interpretações manifesta, segundo eles, que não se ganha nada submetendo os  textos bíblicos às exigências dos métodos científicos, mas, ao contrário,  perde-se bastante. Eles sublinham que a exegese científica obtém como resultado  o provocar perplexidade e dúvida sobre inumeráveis pontos que, até então, eram  admitidos pacificamente; que ele força alguns exegetas a tomar posições  contrárias à fé da Igreja sobre questões de grande importância, como a concepção  virginal de Jesus e seus milagres, e até mesmo sua ressurreição e sua divindade.  
Mesmo quando não finaliza em tais  negações, a exegese científica se caracteriza, segundo eles, pela sua  esterilidade no que concerne o progresso da vida cristã. Ao invés de permitir um  acesso mais fácil e mais seguro às fontes vivas da Palavra de Deus, ela faz da  Bíblia um livro fechado, cuja interpretação sempre problemática exige técnicas  refinadas fazendo dela um domínio reservado a alguns especialistas. A estes,  alguns aplicam a frase do Evangelho: « Tomastes a chave da ciência! Vós mesmos  não entrastes e impedistes os que queriam entrar! » (Lc 11,52; cf  Mt 23,13). 
Em consequência, ao paciente labor do  exegeta científico estima-se necessário substituir abordagens mais simples, como  uma ou outra prática de leitura sincrônica que se considera como suficiente, ou  mesmo, renunciando a todo estudo, preconiza-se uma leitura da Bíblia dita «  espiritual », entendendo-se pela expressão uma leitura unicamente guiada pela  inspiração pessoal subjetiva e destinada a alimentar esta inspiração. Alguns  procuram na Bíblia sobretudo o Cristo da visão pessoal deles e a satisfação da  religiosidade espontânea que têm. Outros pretendem encontrar nela respostas  diretas a toda sorte de questões, pessoais ou coletivas. Numerosas são as seitas  que propõem como única verdadeira uma interpretação da qual elas afirmam terem  tido a revelação. 
B. O objetivo deste documento  
Há de se considerar seriamente,  portanto, os diversos aspectos da situação atual em matéria de interpretação  bíblica, de esta atento às críticas, às queixas e às aspirações que se exprimem  a esse respeito, de apreciar as possibilidades abertas pelos novos métodos e  abordagens e de procurar, enfim, precisar a orientação que melhor corresponde à  missão do exegeta na Igreja católica. 
Esta é a finalidade deste documento.  A Pontifícia Comissão Bíblica deseja indicar os caminhos que convém tomar para  chegar a uma interpretação da Bíblia que seja tão fiel quanto possível a seu  caráter ao mesmo tempo humano e divino. Ela não pretende tomar aqui posição  sobre todas as questões que são feitas a respeito da Bíblia, como por exemplo, a  teologia da inspiração. O que ela quer é examinar os métodos suscetíveis de  contribuírem com eficácia a valorizar todas as riquezas contidas nos textos  bíblicos, a fim de que a Palavra de Deus possa tornar-se sempre mais o alimento  espiritual dos membros de seu povo, a fonte para eles de uma vida de fé, de  esperança e de amor, assim como uma luz para toda a humanidade (cf Dei  Verbum, 21). 
Para alcançar este fim, o presente  documento: 
1. fará uma breve descrição dos  diversos métodos e abordagens, (1)  indicando suas possibilidades e seus limites; 
2. examinará algumas questões de  hermenêutica; 
3. proporá uma reflexão sobre as  dimensões características da interpretação católica da Bíblia e sobre suas  relações com as outras disciplinas teológicas; 
4. considerará, enfim, o lugar que  ocupa a interpretação da Bíblia na vida da Igreja.
A. Método histórico-crítico  
O método histórico-crítico é o método  indispensável para o estudo científico do sentido dos textos antigos. Como a  Santa Escritura, enquanto « Palavra de Deus em linguagem humana », foi composta  por autores humanos em todas as suas partes e todas as suas fontes, sua justa  compreensão não só admite como legítimo, mas pede a utilização deste método.  
1. História do método  
Para apreciar corretamente este  método em seu estado atual, convém dar uma olhada em sua história. Certos  elementos deste método de interpretação são muito antigos. Eles foram utilizados  na antiguidade por comentadores gregos da literatura clássica e, mais tarde,  durante o período patrístico, por autores como Orígenes, Jerônimo e Agostinho. O  método era, então, menos elaborado. Suas formas modernas são o resultado de  aperfeiçoamentos, trazidos sobretudo desde os humanistas da Renascença e o  recursus ad fontes deles. Enquanto que a crítica textual do Novo  Testamento só pôde se desenvolver como disciplina científica a partir de 1800,  depois que se desligou do Textus receptus, os primórdios da crítica  literária remontam ao século XVII, com a obra de Richard Simon, que chamou a  atenção sobre as repetições, as divergências no conteúdo e as diferenças de  estilo observáveis no Pentatêuco, constatações dificilmente conciliáveis com a  atribuição de todo o texto a um autor único, Moisés. No século XVIII, Jean  Astruc contentou-se ainda em dar como explicação que Moisés tinha se servido de  várias fontes (sobretudo de duas fontes principais) para compor o Livro do  Gênesis, mas, em seguida, a crítica contesta cada vez mais resolutamente a  atribuição da composição do Pentatêuco a Moisés. A crítica literária  identificou-se muito tempo com um esforço para discernir diversas fontes nos  textos. É assim que se desenvolveu, no século XIX, a hipótese dos « documentos  », que procura explicar a redação do Pentatêuco. Quatro documentos, em parte  paralelos entre si, mas provenientes de épocas diferentes, teriam sido  incorporados: o yahvista (J), o elohista (E), o deuteronomista (D) e o  sacerdotal (P: do alemão « Priester »); é deste último que o redator final teria  se servido para estruturar o conjunto. De maneira análoga, para explicar ao  mesmo tempo as convergências e as divergências constatadas entre os três  Evangelhos sinóticos, recorreram à hipótese das « duas fontes », segundo a qual  os Evangelhos de Mateus e o de Lucas teriam sido compostos a partir de duas  fontes principais: o Evangelho de Marcos de um lado e, de outro lado, uma  compilação das palavras de Jesus (chamada Q, do alemão « Quelle », «fonte »).  Essencialmente estas duas hipóteses são ainda aceitas atualmente na exegese  científica, mas elas são objeto de contestações. 
No desejo de estabelecer a cronologia  dos textos bíblicos, esse gênero de crítica literária se limitava a um trabalho  de cortes e de decomposição para distinguir as diversas fontes e não dava uma  atenção suficiente à estrutura final do texto bíblico e à mensagem que ele  exprime em seu estado atual (mostrava-se pouca estima pela obra dos redatores).  Dessa maneira a exegese histórico-crítica podia aparecer como fragmentária e  destrutora, ainda mais que certos exegetas sob a influência da história  comparada das religiões, tal como ela se praticava então, ou partindo de  concepções filosóficas, emitiam contra a Bíblia julgamentos negativos.  
Hermann Gunkel fez o método sair do  gueto da crítica literária entendida desta maneira. Se bem tenha continuado a  considerar os livros do Pentatêuco como compilações, ele aplicou sua atenção à  textura particular das diferentes partes. Ele procurou definir o gênero de cada  uma (por exemplo, « legenda » ou « hino ») e seu ambiente de origem ou « Sitz im  Lebem » ( por exemplo, situação jurídica, liturgia, etc.). A esta pesquisa dos  gêneros literários assemelha-se o « estudo crítico das formas » («  Formgeschichte ») inaugurada na exegese dos sinóticos por Martin Dibelius e  Rudolf Bultmann. Este último misturou aos estudos de « Formgeschichte » uma  hermenêutica bíblica inspirada na filosofia existencialista de Martin Heidegger.  Em consequência, a Formgeschichte suscitou muitas vezes sérias reservas. Mas  este método, em si mesmo, teve como resultado a declaração de que a tradição  néo-testamentária obteve sua origem e tomou sua forma na comunidade cristã, ou  Igreja primitiva, passando da pregação do próprio Jesus à predigação que  proclama que Jesus é o Cristo. « Formgeschichte » aliou-se a «  Redaktionsgeschichte », « estudo crítico da redação ». Esta última procura  colocar em evidência a contribuição pessoal de cada evangelista e as orientações  teológicas que guiaram o trabalho de redação deles. Com a utilização deste  último método, a série das diferentes etapas do método histórico-crítico  tornou-se mais completa: da crítica textual passa-se a uma crítica literária que  decompõe (pesquisa das fontes), depois a um estudo crítico das formas, enfim a  uma análise da redação, que é atenta ao texto em sua composição. Desta maneira  tornou-se possível uma compreensão mais clara da intenção dos autores e  redatores da Bíblia, assim como da mensagem que eles dirigiram aos primeiros  destinatários. O método histórico-crítico adquiriu então uma importância de  primeiro plano. 
2. Princípios 
Os princípios fundamentais do método  histórico-crítico em sua forma clássica são os seguintes: 
E um método histórico, não só  porque ele se aplica a textos antigos — no caso, aqueles da Bíblia — e estuda  seu alcance histórico, mas também e sobretudo porque ele procura elucidar os  processos históricos de produção dos textos bíblicos, processos diacrônicos  algumas vezes complicados e de longa duração. Em suas diferentes etapas de  produção, os textos da Bíblia são dirigidos a diversas categorias de ouvintes ou  de leitores, que se encontravam em situações de tempo e de espaço diferentes.  
É um método crítico, porque  ele opera com a ajuda de critérios científicos tão objetivos quanto possíveis em  cada uma de suas etapas (da crítica textual ao estudo crítico da redação), de  maneira a tornar acessível ao leitor moderno o sentido dos textos bíblicos,  muitas vezes difícil de perceber. 
Método analítico, ele estuda o texto  bíblico da mesma maneira que qualquer outro texto da antiguidade e o comenta  enquanto linguagem humana. Entretanto, ele permite ao exegeta, sobretudo no  estudo crítico da redação dos textos, perceber melhor o conteúdo da revelação  divina. 
3. Descrição 
No estágio atual de seu  desenvolvimento, o método histórico-crítico percorre as seguintes etapas:  
A crítica textual, praticada há muito  mais tempo, abre a série das operações científicas. Baseando-se no testemunho  dos mais antigos e melhores manuscritos, assim como dos papiros, das traduções  antigas e da patrística, ela procura, segundo regras determinadas, estabelecer  um texto bíblico que seja tão próximo quanto possível ao texto original.  
O texto é em seguida submetido a uma  análise linguística (morfologia e sintaxe) e semântica, que utiliza os  conhecimentos obtidos graças aos estudos de filologia histórica. A crítica  literária esforça-se então em discernir o início e o fim das unidades textuais,  grandes e pequenas, e em verificar a coerência interna dos textos. A existência  de repetições, de divergências inconciliáveis e de outros indícios, manifesta o  caráter compósito de certos textos. Estes então são divididos em pequenas  unidades, das quais estuda-se a dependência possível a diversas fontes. A  crítica dos gêneros procura determinar os gêneros literários, ambiente de  origem, traços específicos e evolução desses textos. A crítica das tradições  situa os textos em correntes de tradição, das quais ela procura determinar a  evolução no decorrer da história. Enfim, a crítica da redação estuda as  modificações que os textos sofreram antes de terem um estado final fixado,  esforçando-se em discernir as orientações que lhes são próprias. Enquanto as  etapas precedentes procuraram explicar o texto pela sua gênese, em uma  perspectiva diacrônica, esta última etapa termina com um estudo sincrônico:  explica-se aqui o texto em si, graças às relações mútuas de seus diversos  elementos e considerando-o sob seu aspecto de mensagem comunicada pelo autor a  seus contemporâneos. A função pragmática do texto pode então ser levada em  consideração. 
Quando os textos estudados pertencem  a um gênero literário histórico ou estão em relação com acontecimentos da  história, a crítica histórica completa a crítica literária para determinar seu  alcance histórico, no sentido moderno da expressão. 
É desta maneira que são colocadas em  evidência as diferentes etapas do desenrolar concreto da revelação bíblica.  
4. Avaliação 
Que valor dar ao método  histórico-crítico, em particular no estágio atual de sua evolução? 
É um método que, utilizado de maneira  objetiva, não implica em si nenhum a priori: Se sua utilização é  acompanhada de tais a priori, isto não é devido ao método em si mas a  opiniões hermenêuticas que orientam a interpretação e podem ser tendenciosas.  
Orientado, em seu início, como  crítica das fontes e da história das religiões, o método obteve como resultado a  abertura de um novo acesso à Bíblia, mostrando que ela é uma coleção de escritos  que, muitas vezes, sobretudo para o Antigo Testamento, não têm um autor único,  mas tiveram uma longa pré-história inextricavelmente ligada à história de Israel  ou àquela da Igreja primitiva. Precedentemente, a interpretação judaica ou  cristã da Bíblia não tinha uma consciência clara das condições históricas  concretas e diversas nas quais a Palavra de Deus se enraizou. Ela tinha disto um  conhecimento global e longínquo. O confronto da exegese tradicional com uma  abordagem científica que em seu início fazia conscientemente abstração da fé e  algumas vezes mesmo se opunha a ela, foi seguramente dolorosa; depois, no  entanto, ela se revelou salutar: uma vez que o método foi liberado dos  preconceitos extrínsecos, ele conduziu a uma compreensão mais exata da verdade  da Santa Escritura (cf Dei  Verbum, 12). Segundo a Divino  afflante Spiritu, a procura do sentido literal da Escritura é uma tarefa  essencial da exegese e, para cumprir esta tarefa, é necessário determinar o  gênero literário dos textos (cf E.B., 560), o que se realiza com a ajuda  do método histórico-crítico. 
Com certeza o uso clássico do método  histórico-crítico manifesta limites, pois ele se restringe à procura do sentido  do texto bíblico nas circunstâncias históricas de sua produção e não se  interessa pelas outras potencialidades de sentido que se manifestaram no  decorrer das épocas posteriores da revelação bíblica e da história da Igreja. No  entanto, esse método contribuiu à produção de obras de exegese e de teologia  bíblica de grande valor. 
Renunciou-se há muito tempo a um  amálgama do método com um sistema filosófico. Recentemente uma tendência  exegética orientou o método insistindo predominantemente sobre a forma do texto,  com menor atenção ao seu conteúdo, mas esta tendência foi corrigida graças à  contribuição de uma semântica diferenciada (semântica das palavras, das frases,  do texto) e ao estudo do aspecto pragmático dos textos. 
A respeito da inclusão no método, de  uma análise sincrônica dos textos, deve-se reconhecer que se trata de uma  operação legítima, pois é o texto em seu estado final, e não uma redação  anterior, que é expressão da Palavra de Deus. Mas o estudo diacrônico continua  indispensável para o discernimento do dinamismo histórico que anima a Santa  Escritura e para manifestar sua rica complexidade: por exemplo, o código da  Aliança (Ex 21,23) reflete um estado político, social e religioso da  sociedade israelita diferente daquele que refletem as outras legislações  conservadas no Deuteronómio (Dt 12,26) e no Levítico (código de  santidade, Lv 17-26). À tendência de reduzir tudo ao aspecto histórico,  que se pôde repreender na antiga exegese histórico-crítica, seria o caso que não  sucedesse o excesso inverso: o de um esquecimento da história, por parte de uma  exegese exclusivamente sincrônica. 
Em definitivo, o objetivo do método  histórico-crítico é de colocar em evidência, de maneira sobretudo diacrônica, o  sentido expresso pelos autores e redatores. Com a ajuda de outros métodos e  abordagens, ele abre ao leitor moderno o acesso ao significado do texto da  Bíblia, tal como o temos. 
B. Novos métodos de análise  literária 
Nenhum método científico para o  estudo da Bíblia está à altura de corresponder à riqueza total dos textos  bíblicos. Qualquer que seja sua validade, o método histórico-crítico não pode  pretender ser suficiente a tudo. Ele deixa forçosamente obscuros numerosos  aspectos dos escritos que estuda. Que não seja surpresa a constatação de que  atualmente outros métodos e abordagens são propostos para aprofundar um ou outro  aspecto digno de atenção. 
Neste parágrafo B apresentaremos  alguns métodos de análise literária que se desenvolveram recentemente. Nos  parágrafos seguintes (C, D, E) examinaremos brevemente diversas abordagens, das  quais algumas estão em relação com o estudo da tradição, outras com as «  ciências humanas », outras ainda com situações ' contemporâneas particulares.  Consideramos enfim (F) a leitura fundamentalista da Bíblia, que recusa todo  esforço metódico de interpretação. 
Aproveitando os progressos realizados  em nossa época pelos estudos lingüísticos e literários, a exegese bíblica  utiliza cada vez mais métodos novos de análise literária, em particular a  análise retórica, a análise narrativa e a análise semiótica. 
1. Análise retórica  
Na realidade, a análise retórica não  é em si um método novo. O que é novo, de um lado, é sua utilização sistemática  para a interpretação da Bíblia e, de outro lado, o nascimento e o  desenvolvimento de uma « nova retórica ». 
A retórica é a arte de compor  discursos persuasivos. Pelo fato de que todos os textos bíblicos são em algum  grau textos persuasivos, um certo conhecimento da retórica faz parte do  instrumental normal dos exegetas. A análise retórica deve ser conduzida de  maneira crítica, pois a exegese científica é um trabalho que se submete  necessariamente às exigências do espírito crítico. 
Muitos estudos bíblicos recentes  deram uma grande atenção à presença da retórica na Escritura. Podemos distinguir  três abordagens diferentes. A primeira se baseia na retórica clássica  greco-latina; a segunda é atenta aos procedimentos semíticos de composição; a  terceira inspira-se nas pesquisas modernas que chamamos « nova retórica ».  
Toda situação de discurso comporta a  presença de três elementos: o orador (ou o autor), o discurso (ou o texto) e o  auditório (ou os destinatários). A retórica clássica distingue,  consequentemente, três fatores de persuasão que contribuem à qualidade de um  discurso: a autoridade do orador, a argumentação do discurso e as emoções que  ele suscita no auditório. A diversidade de situações e de auditórios influencia  imensamente a maneira de falar. A retórica clássica, desde Aristóteles, admite a  distinção de três gêneros de eloqüência: o gênero judiciário (diante dos  tribunais), o deliberativo (nas assembléias políticas), o demonstrativo (nas  celebrações). 
Constatando a enorme influência da  retórica na cultura helenística, um número crescente de exegetas utiliza  tratados de retórica clássica para melhor analisar certos aspectos dos escritos  bíblicos, sobretudo daqueles do Novo Testamento. 
Outros exegetas concentram a atenção  sobre os traços específicos da tradição literária bíblica. Enraizada na  cultura semítica, ela manifesta uma forte preferência pelas composições  simétricas, graças às quais as relações são estabelecidas entre os diversos  elementos do texto. O estudo das múltiplas formas de paralelismo e de outros  procedimentos semíticos de composição deve permitir um melhor discernimento da  estrutura literária dos textos e assim chegar a maior compreensão de sua  mensagem. 
Tomando um ponto de vista mais geral,  a « nova retórica » quer ser algo mais que um inventário de figuras de  estilo, de artifícios oratórios e de espécies de discurso. Ela busca o porquê  tal uso específico da linguagem é eficaz e chega a comunicar uma convicção. Ela  se quer « realista », recusando de se limitar à simples análise formal. Ela dá à  situação de debate a atenção que lhe é devida. Ela estuda o estilo e a  composição enquanto meios de exercer uma ação sobre o auditório. Com esta  finalidade ela aproveita as contribuições recentes de disciplinas como a  lingüística, a semiótica, a antropologia e a sociologia. 
Aplicada à Bíblia, a « nova retórica  » quer penetrar no coração da linguagem da revelação enquanto linguagem  religiosa persuasiva e medir seu impacto no contexto social da comunicação.  Porque elas trazem um enriquecimento ao estudo crítico dos textos, as análises  retóricas merecem muita estima, sobretudo em suas recentes pesquisas. Elas  reparam uma negligência que durou muito tempo e fazem descobrir ou colocam mais  em evidência perspectivas originais. A « nova retórica » tem razão de chamar a  atenção para a capacidade persuasiva e convincente da linguagem. A Bíblia não é  simplesmente enunciação de verdades. E uma mensagem dotada de uma função de  comunicação em um certo contexto, uma mensagem que comporta um dinamismo de  argumentação e uma estratégia retórica. 
As análises retóricas têm, contudo,  seus limites. Quando elas se contentam em ser descritivas, seus resultados têm  muitas vezes um interesse unicamente estilístico. Fundamentalmente sincrônicas,  elas não podem pretender constituir um método independente que seja  autosuficiente. Sua aplicação aos textos bíblicos levanta mais de uma questão:  os autores destes textos pertenciam aos ambientes mais cultos? Até que ponto  eles seguiram as regras de retórica para compor seus escritos? Qual retórica é  mais pertinente para a análise de tal escrito determinado: a greco-latina ou a  semítica? Não se arrisca em atribuir a certos textos bíblicos uma estrutura  retórica elaborada demais? Estas questões — e outras — não devem dissuadir o  emprego deste tipo de análise; elas convidam a não recorrer a ele sem  discernimento. 
2. Análise narrativa  
A exegese narrativa propõe um método  de compreensão e de comunicação da mensagem bíblica que corresponde à forma de  relato e de testemunho, modalidade fundamental da comunicação entre pessoas  humanas, característica também da Santa Escritura. O Antigo Testamento,  efetivamente, apresenta uma história da salvação cujo relato eficaz torna-se  substância da profissão de fé, da liturgia e da catequese (cf Sal 78,3-4;  Ex 12,24-27; Dt 6,20-25; 26,5-11). De seu lado, a proclamação do  querigma cristão compreende a sequência narrativa da vida, da morte e da  ressurreição de Jesus Cristo, acontecimentos dos quais os Evangelhos nos  oferecem um relato detalhado. A catequese se apresenta, ela também, sob a forma  narrativa (cf 1 Co 11,23-25). 
A respeito da abordagem narrativa,  convém distinguir métodos de análise e reflexão teológica. 
Numerosos métodos de análise  são atualmente propostos. Alguns partem do estudo dos modelos narrativos  antigos. Outros se baseiam sobre um ou outro estudo atual da narrativa, que pode  ter pontos comuns com a semiótica. Particularmente atenta aos elementos do texto  que dizem respeito ao enredo, às características e ao ponto de vista tomado pelo  narrador, a análise narrativa estuda o jeito pelo qual a história é contada de  maneira a envolver o leitor no « mundo do relato » e seu sistema de valores.  
Vários métodos introduzem uma  distinção entre « autor real » e « autor implícito », « leitor real » e « leitor  implícito ». O « autor real » é a pessoa que compôs o relato. Por « autor  implícito » é designada a imagem do autor que o texto produz progressivamente no  decorrer da leitura (com sua cultura, seu temperamento, suas tendências, sua fé,  etc.). Chama-se « leitor real » toda pessoa que tem acesso ao texto, desde os  primeiros destinatários que leram ou ouviram ler até os leitores ou ouvintes de  hoje. Por « leitor implícito » entende-se aquele que o texto pressupõe e produz,  aquele que é capaz de efetuar as operações mentais e afetivas exigidas para  entrar no mundo do relato e assim responder a ele da maneira visada pelo autor  real através do autor implícito. 
Um texto continua a exercer sua  influência na medida em que os leitores reais (por exemplo, nós mesmos no fim do  século XX) podem se identificar com o leitor implícito. Uma das maiores tarefas  do exegeta é facilitar esta identificação. 
À análise narrativa liga-se uma nova  maneira de apreciar o alcance dos textos. Enquanto o método histórico-crítico  considera antes de tudo o texto como uma « janela », que permite algumas  observações sobre uma ou outra época (não apenas sobre os fatos narrados, mas  também sobre a situação da comunidade para a qual eles foram contados),  sublinha-se que o texto funciona igualmente como um « espelho », no sentido de  que ele estabelece uma certa imagem do mundo — o « mundo do relato » que exerce  sua influência sobre a maneira de ver do leitor e o leva a adotar certos valores  invés que outros. 
A este gênero de estudo, tipicamente  literário, associou-se a reflexão teológica, que levando em consideração as  consequências que a natureza de relato e de testemunho da Santa Escritura  representa para a adesão de fé, deduz disso uma hermenêutica de tipo prático e  pastoral. Reage-se desta maneira contra a redução do texto inspirado a uma série  de teses teológicas, formuladas muitas vezes segundo categorias e linguagem não  escriturísticas. Pede-se à exegese narrativa de reabilitar, em contextos  históricos novos, os modos de comunicação e de significado próprios ao relato  bíblico, afim de melhor abrir caminho à sua eficácia para a salvação. Insiste-se  na necessidade de « contar a salvação » (aspecto « informativo » do relato) e de  « contar em vista da salvação » (aspecto de « desempenho »). O relato bíblico,  efetivamente, contém — explicitamente ou implicitamente, segundo o caso — um  apelo existencial dirigido ao leitor. 
Para a exegese da Bíblia, a análise  narrativa apresenta uma utilidade evidente, pois ela corresponde à natureza  narrativa de um grande número de textos bíblicos. Ela pode contribuir a tornar  fácil a passagem, muitas vezes sofrida, entre o sentido do texto em seu contexto  histórico — tal como o método histórico-crítico procura defini-lo — e o alcance  do texto para o leitor de hoje. Em contraposição, a distinção entre « autor real  » e « autor implicito » aumenta a complexidade dos problemas de interpretação.  
Aplicando-se aos textos da Bíblia, a  análise narrativa não pode se contentar de colar sobre eles modelos  pré-estabelecidos. Ela deve ao contrário esforçar-se em corresponder à sua  especificidade. Sua abordagem sincrônica dos textos pede para ser completada por  estudos diacrônicos. Ela deve, de outro lado, evitar uma possível tendência a  excluir toda elaboração doutrinária dos dados que contêm os relatos da Bíblia.  Ela se encontraria, então, em desacordo com a própria tradição bíblica que  pratica esse gênero de elaboração, e com a tradição eclesial que continuou nesta  via. Convém, enfim, notar que não se pode considerar a eficácia existêncial  subjetiva da Palavra de Deus transmitida narrativamente, como um critério  suficiente da verdade de sua compreensão. 
3. Análise semiótica  
Entre os métodos chamados  sincrônicos, isto é, que se concentram sobre o estudo do texto bíblico tal como  ele se apresenta ao leitor em seu estado final, coloca-se a análise semiótica  que, há uns vinte anos, se desenvolveu bastante em certos meios. Primeiramente  chamado pelo termo geral de « estruturalismo », este método pode se propor como  descendente do lingüista suíço Ferdinand de Saussure que no início deste século  elaborou a teoria segundo a qual toda língua é um sistema de relações que  obedece regras determinadas. Vários lingüistas e literatos tiveram uma  influência marcante na evolução do método. A maior parte dos biblistas que  utilizam a semiótica para o estudo da Bíblia recorre a Algirdas J. Greimas e à  Escola de Paris, da qual ele é o fundador. Abordagens ou métodos análogos,  fundados sobre a Lingüística moderna, se desenvolvem em outros lugares. É o  método de Greimas que iremos apresentar e analisar brevemente. 
A semiótica repousa sobre três  princípios ou pressupostos principais: 
Princípio de imanência: cada  texto forma um conjunto de significados: a análise considera todo o texto, mas  somente o texto; ela não apela a dados « externos », tais como o autor, os  destinatários, os acontecimentos narrados, a história da redação. 
Princípio de estrutura do  sentido: só há sentido através da relação e no interior dela, especialmente  a relação de diferença; a análise de um texto consiste assim em estabelecer a  rede de relações (de oposição, de homologação...) entre os elementos, a partir  da qual o sentido do texto se constrói. 
Princípio da gramática do  texto: cada texto respeita uma gramática, isto é, um certo número de regras  ou estruturas; em um conjunto de frases, chamado discurso, há diferentes níveis,  tendo cada um a sua gramática. 
O conteúdo global de um texto pode  ser analisado em três níveis diferentes: 
O nível narrativo. Estuda-se,  no relato, as transformações que fazem passar do estado inicial ao estado  terminal. No interior de um percurso narrativo, a análise procura retraçar as  diversas fases, logicamente ligadas entre elas, que marcam a transformação de um  estado em um outro. Em cada uma destas fases, apuram-se as relações entre os «  papéis » exercidos por « atuantes » que determinam os estados e produzem as  transformações. 
O nível discursivo. A análise  consiste em três operações: a) a identificação e a classificação das figuras,  isto é, dos elementos de significação de um texto (atores, tempos e lugares); b)  o estabelecimento dos percursos de cada figura em um texto para determinar a  maneira como esse texto o utiliza; c) a procura dos valores temáticos das  figuras. Esta última operação consiste em distinguir « em nome do que » (=  valor) as figuras seguem, nesse texto determinado, tal percurso. 
O nível lógico-semântico. É o  nível chamado profundo. Ele é também o mais abstrato. Ele procede do postulado  que formas lógicas e significantes são subjacentes às organizações narrativas e  discursivas de todo discurso. A análise a esse nível consiste –em precisar a  lógica que gera as articulações fundamentais dos percursos narrativos e  figurativos de um texto. Para isto um instrumento é muitas vezes empregado,  chamado de « quadrado semiótico », figura utilizando as relações entre dois  termos « contrários » e dois termos « contraditórios » (por exemplo, branco e  negro; branco e não-branco; negro e não-negro). 
Os teóricos do método semiótico não  cessam de apresentar desenvolvimentos novos. As pesquisas atuais se referem  notadamente a enunciação e à inter-textualidade. Aplicado primeiramente aos  textos narrativos da Escritura, que se prestam mais facilmente a isso, o método  é cada vez mais utilizado para outros tipos de discursos bíblicos. 
A descrição dada pela semiótica, e  sobretudo o enunciado de seus pressupostos, já deixam perceber as  contribuições e os limites deste método. Estando mais atenta ao  fato de que cada texto bíblico é um todo coerente que obedece a mecanismos  linguísticos precisos, a semiótica contribui à nossa compreensão da Bíblia,  Palavra de Deus expressa em linguagem humana. 
A semiótica pode ser utilizada para o  estudo da Bíblia apenas quando este método de análise é separado de certos  pressupostos desenvolvidos na filosofia estruturalista, isto é, a negação dos  sujeitos e da referência extra-textual. A Bíblia é a Palavra sobre o real, que  Deus pronunciou em uma história e que ele nos dirige hoje por intermédio de  autores humanos. A abordagem semiótica deve ser aberta à história: primeiramente  àquela dos atores dos textos, em seguida àquela de seus autores e de seus  leitores. O risco é grande, entre os utilizadores da análise semiótica, de ficar  em um estudo formal do conteúdo e de não liberar a mensagem dos textos.  
Se ela não se perde nos mistérios de  uma linguagem complicada mas é ensinada em termos simples em seus elementos  principais, a análise semiótica pode dar aos cristãos o gosto de estudar o texto  bíblico e de descobrir algumas de suas dimensões de sentido; sem possuir todos  os conhecimentos históricos que se relacionam à produção do texto e a seu mundo  sócio-cultural. Ela pode assim mostrar-se útil na própria pastoral, para uma  certa apropriação da Escritura em ambientes não especializados. 
C. Abordagens baseadas na  Tradição 
Mesmo que eles se diferenciem do  método histórico-crítico por uma atenção maior à unidade interna dos textos  estudados, os. métodos literários que acabamos de apresentar permanecem  insuficientes para a interpretação da Bíblia, pois eles consideram cada escrito  isoladamente. Ora, a Bíblia não se apresenta como um conjunto de textos  desprovidos de relações entre eles, mas como um composto de testemunhos de uma  mesma e grande Tradição. Para corresponder plenamente ao objeto de seu estudo, a  exegese bíblica deve levar em consideração este fato. Tal é a perspectiva  adotada por várias abordagens que se desenvolvem atualmente. 
1. Abordagem canônica  
Constatando que o método  histórico-crítico encontra algumas vezes dificuldades em alcançar o nível  teológico em suas conclusões, a abordagem « canônica », nascida nos Estados  Unidos há uns vinte anos, entende por bem conduzir uma tarefa teológica de  interpretação partindo do quadro especifico da fé: a Bíblia em seu conjunto.  
Para fazê-lo, ela interpreta cada  texto bíblico à luz do Cânon das Escrituras, isto é, da Bíblia enquanto recebida  como norma de fé por uma comunidade de fiéis. Ela procura situar cada texto no  interior do único desígnio de Deus, com o objetivo de chegar a uma atualização  da Escritura para o nosso tempo. Ela não pretende substituir o método  histórico-crítico, mas deseja complementá-lo. 
Dois pontos de vista diferentes foram  propostos: Brevard S. Childs centraliza seu interesse sobre a forma canônica  final do texto (livro ou coleção), forma aceita pela comunidade como tendo  autoridade para expressar sua fé e dirigir sua vida. 
Mais do que sobre a forma final e  estabilizada do texto, James A. Sanders coloca sua atenção sobre o « processo  canônico » ou desenvolvimento progressivo das Escrituras às quais a comunidade  dos fiéis reconheceu uma autoridade normativa. O estudo crítico deste processo  examina como as antigas tradições foram reutilizadas em novos contextos antes de  constituir um todo ao mesmo tempo estável e adaptado, coerente e fazendo união  de dados divergentes, do qual a comunidade de fé tira sua identidade.  Procedimentos hermenêuticos foram acionados no decorrer desse processo e o são  ainda após a fixação do Cânon; eles são muitas vezes do gênero do Midrashim,  servindo para atualizar o texto bíblico Eles favorecem uma constante interação  entre a comunidade e sua Escrituras, fazendo apelo a uma interpretação que visa  torna contemporânea a tradição. 
A abordagem canônica reage com razão  contra a valorização exagerada daquilo que é supostamente original e primitivo,  como se somente isso fosse autêntico. A Escritura inspirada é a Escritura tal  como a Igreja a reconheceu como regra de sua fé. Pode-se insistir a esse  respeito, seja sobre a forma final na qual se encontra atualmente cada um dos  livros, seja sobre o conjunto que eles constituem como Cânon. Um livro torna-se  bíblico somente à luz do Cânon inteiro. 
A comunidade dos fiéis é efetivamente  o contexto adequado para a interpretação dos textos canônicos. A fé e o Espírito  Santo enriquecem a exegese; a autoridade eclesial, que se exerce a serviço da  comunidade, deve velar para que a interpretação permaneça fiel à grande Tradição  que produziu os textos (cf Dei  Verbum, 10). 
A abordagem canônica encontra-se às  voltas com mais de um problema, sobretudo quando ela procura definir o «  processo canônico ». A partir de quando pode-se dizer que um texto é canônico?  Parece admissível dizer: desde que a comunidade atribui a um texto uma  autoridade normativa, mesmo antes da fixação definitiva desse texto. Pode-se  falar de uma hermenêutica « canônica » desde que a repetição das tradições, que  se efetua levando-se em conta os aspectos novos da situação (religiosa,  cultural, teológica), mantém a identidade da mensagem. Mas apresenta-se uma  questão: o processo de interpretação que conduziu à formação do Cânon deve ele  ser reconhecido como regra de interpretação da Escritura até nossos dias?  
De outro lado, as relações complexas  entre o Cânon judaico das Escrituras e o Cânon cristão suscitam numerosos  problemas para a interpretação. A Igreja cristã recebeu como « Antigo Testamento  » os escritos que tinham autoridade na comunidade judaica helenística, mas  alguns deles estão ausentes da Bíblia hebraica ou se apresentam sob uma forma  diferente. O corpus é, então, diferente. Por isso a interpretação  canônica não pode ser idêntica, pois c, da texto deve ser lido em relação com o  conjunto do corpus. Ma sobretudo, a Igreja lê o Antigo Testamento à luz  do acontecimento pascal — morte e ressurreição de Cristo Jesus — que traz um  radical novidade e dá, com uma autoridade soberana, um sentido decisivo e  definitivo às Escrituras (cf Dei  Verbum, 4). Esta nova determinação de sentido faz parte integrante da fé  cristã. Ela não deve, portanto, tirar toda consistência à interpretação canônica  anterior, aquela que precedeu a Páscoa cristã, pois é preciso respeitar cada  etapa da história da salvação. Esvaziar da sus substância o Antigo Testamento  seria privar o Novo Testamento de sua raiz na história. 
2. Abordagem com recurso às  tradições judaicas de interpretação 
O Antigo Testamento tomou sua forma  final no judaísmo dos quatro ou cinco últimos séculos que precederam a era  cristã. Esse judaísmo foi também o ambiente de origem do Novo Testamento e da  Igreja nascente. Numerosos estudos de história judaica antiga e principalmente  as pesquisas suscitadas pelas descobertas de Qumrân colocaram em relevo a  complexidade do mundo judeu, em terra de Israel e na diáspora, ao longo deste  período. 
É neste mundo que começou a  interpretação da Escritura. Um dos mais antigos testemunhos de interpretação  judaica da Bíblia é a tradução grega dos Setenta. Os Targumim aramaicos  constituem um outro testemunho do mesmo esforço, que continuou até nossos dias,  acumulando uma soma prodigiosa de procedimentos sábios Para a conservação do  texto do Antigo Testamento e para a explicação do sentido dos textos bíblicos.  Em todos os tempos, os melhores exegetas cristãos, desde Orígenes e são  Jerônimo, procuraram tirar proveito da erudição judaica para uma melhor  inteligência da Escritura. Numerosos exegetas modernos seguem esse exemplo.  
As tradições judaicas antigas  permitem particularmente conhecer melhor a Bíblia judaica dos Setenta, que em  seguida tornou-se a primeira parte da Bíblia cristã durante pelo menos os quatro  primeiros séculos da Igreja, e no Oriente até nossos dias. A literatura judaica  extra-canônica, chamada apócrifa ou inter-testamentária, abundante e  diversificada, é uma fonte importante para a interpretação do Novo Testamento.  Os procedimentos variados de exegese praticados pelo judaísmo das diferentes  tendências reencontram-se no próprio Antigo Testamento, por exemplo nas Crônicas  em relação aos Livros dos Reis, e no Novo Testamento, por exemplo, em certos  raciocínios escriturísticos de são Paulo. A diversidade das formas (parábolas,  alegorias, antologia e florilégios, releituras, pesher, comparações entre  textos distantes, salmos e hinos, visões, revelações e sonhos, composições  sapienciais) é comum ao Antigo e ao Novo Testamento assim como à literatura de  todos os ambientes judaicos antes e após o tempo de Jesus. Os Targumim e os  Midrashim representam a homilética e a interpretação bíblica de grandes setores  do judaísmo dos primeiros séculos. 
Além disso, numerosos exegetas do  Antigo Testamento pedem aos comentadores, gramáticos e lexicógrafos judeus  medievais e mais recentes, luzes para a inteligência de passagens obscuras ou de  palavras raras e únicas. Mais freqüentes que antigamente, aparecem hoje  referências a essas obras judaicas na discussão exegética. 
A riqueza da erudição judaica  colocada a serviço da Bíblia, desde suas origens na antiguidade até nossos dias,  é uma ajuda muito valiosa para o exegeta dos dois Testamentos, à condição, no  entanto, de empregá-la com conhecimento de causa. O judaísmo antigo era de uma  grande diversidade. A forma farisaica, que prevaleceu em seguida no rabinismo,  não era a única. Os textos judeus antigos se escalonam por vários séculos; é  importante situá-los cronologicamente antes de fazer comparações. Sobretudo, o  quadro geral das comunidades judaicas e cristãs é fundamentalmente diferente: do  lado judeu, segundo formas muito variadas, trata-se de uma religião que define  um povo e uma prática de vida a partir de um escrito revelado e de uma tradição  oral, enquanto que do lado cristão é a fé ao Senhor Jesus, morto, ressuscitado e  doravante vivo, Messias e Filho de Deus, que reúne uma comunidade. Esses dois  pontos de partida criam, para a interpretação das Escrituras, dois contextos  que, apesar de muitos contatos e semelhanças, são radicalmente diferentes.  
3. Abordagem através da história  dos efeitos do texto 
Esta abordagem apóia-se sobre dois  princípios: a) um texto torna-se uma obra literária somente se ele  encontra leitores que lhe dão vida apropriando-se dele; b) essa  apropriação do texto, que pode se efetuar de maneira individual ou comunitária e  toma forma em diferentes domínios (literário, artístico, teológico, ascético e   místico), contribui a fazer compreender melhor o texto em si. 
Sem ser totalmente desconhecida da  antiguidade, esta abordagem se desenvolveu entre 1960 e 1970 nos estudos  literários, logo que a crítica interessou-se pelas relações entre o texto e seus  leitores. A exegese bíblica só podia obter benefícios com esta pesquisa, ainda  mais que a hermenêutica filosófica afirmava por seu lado a necessária distância  entre a obra e seu autor, assim como entre a obra e seus leitores. Nesta  perspectiva, começou-se a fazer entrar no trabalho de interpretação a história  do efeito provocado por um livro ou uma passagem da Escritura («  Wirkungsgeschichte »). Esforça-se em medir a evolução da interpretação no  decorrer do tempo em função das preocupações dos leitores e em avaliar a  importância do papel da tradição para iluminar o sentido dos textos bíblicos.  
Colocar-se em presença do texto e de  seus leitores suscita uma dinâmica, pois o texto exerce uma irradiação e provoca  reações. Ele faz ressoar um apelo, que é ouvido pelos leitores individualmente  ou em grupos. O leitor, aliás, não é nunca um sujeito isolado. Ele pertence a um  espaço social e se situa em uma tradição. Ele vem ao texto com suas questões,  opera uma seleção, propõe uma interpretação e, finalmente, ele pode criar uma  outra obra ou tomar iniciativas que se inspiram diretamente na sua leitura da  Escritura. 
Os exemplos de uma tal abordagem já  são numerosos. A história da leitura do Cântico dos Cânticos oferece um  excelente testemunho disso; ela mostra como esse livro foi recebido na época dos  Padres da Igreja, no ambiente monástico latino da Idade Média ou ainda por um  místico como são João da Cruz; assim ele permite melhor descobrir todas as  dimensões do sentido deste escrito. Da mesma maneira no Novo Testamento é  possível e útil esclarecer o sentido de uma pericope (por exemplo, aquela do  jovem rico em Mt 19,16-26) mostrando sua fecundidade no curso da história  da Igreja. 
Mas a história atesta também a  existência de correntes de interpretação tendenciosas e falsas, com efeitos  nefastos, levando, por exemplo, ao antisemitismo ou a outras discriminações  raciais ou ainda a ilusões milenaristas. Vê-se por isso que esta abordagem não  pode ser uma disciplina autônoma. Um discernimento é necessário. Deve-se evitar  o privilégio de um ou outro momento da história dos efeitos de um texto para  fazer dele a única regra de sua interpretação. 
D. Abordagens através das  ciências humanas 
Para se comunicar, a Palavra de Deus  se enraizou na vida de grupos humanos (cf Ecle 24,12) e ela traçou a si  mesma um caminho através dos condicionamentos psicológicos das diversas pessoas  que compuseram os escritos bíblicos. Resulta disso que as ciências humanas — em  particular a sociologia, a antropologia e a psicologia — podem contribuir a uma  compreensão melhor de certos aspectos dos textos. Convém, no entanto, notar que  existem várias escolas, com divergências notáveis sobre a própria natureza  dessas ciências. Dito isto, um bom número de exegetas tirou recentemente  proveito desse gênero de pesquisas. 
1. Abordagem sociológica  
Os textos religiosos estão unidos por  uma conexão de relação recíproca com as sociedades nas quais eles nascem. Esta  constatação vale evidentemente para os textos bíblicos. Consequentemente, o  estudo crítico da Bíblia necessita um conhecimento tão exato quanto possível dos  comportamentos sociais que caracterizam os diversos ambientes nos quais as  tradições bíblicas se formaram. Esse gênero de informação sócio-histórica deve  ser completado por uma explicação sociológica correta, que interprete  cientificamente, em cada caso, o alcance das condições sociais de existência.  
Na história da exegese, o ponto de  vista sociológico encontrou seu lugar há muito tempo. A atenção que a «  Formgeschichte » deu ao ambiente de origem dos textos (« Sitz im Leben ») é um  testemunho disso: reconhece-se que as tradições bíblicas levam a marca dos  ambientes sócio-culturais que as transmitiram. No primeiro terço do século XX a  Escola de Chicago estudou a situação sócio-histórica da cristandade primitiva,  dando assim à crítica histórica um impulso apreciável nesta direção. Não  decorrer dos vinte últimos anos (1970-1990), a abordagem sociológica dos textos  bíblicos tornou-se parte integrante da exegese. 
Numerosas são as questões feitas a  esse respeito à exegese do Antigo Testamento. Deve-se perguntar, por exemplo,  quais são as diversas formas de organização social e religiosa que Israel  conheceu no decorrer de sua história. Para o período anterior à formação de um  Estado, o modelo etnológico de uma sociedade acéfala segmentária forneceu uma  base de partida suficiente? Como se passou de uma liga de tribos, sem grande  coesão, a um Estado organizado em monarquia e, de lá, a uma comunidade baseada  simplesmente sobre as ligações religiosas e genealógicas? Quais transformações  econômicas, militares e outras foram provocadas na estrutura da sociedade pelo  movimento de centralização política e religiosa que conduziu à monarquia? O  estudo das normas de comportamento no Antigo Oriente e em Israel não contribui  com mais eficácia à inteligência do Decálogo do que as tentativas puramente  literárias de reconstrução de um texto primitivo? 
Para a exegese do Novo Testamento, as  questões são evidentemente diferentes. Citemos algumas delas: para explicar o  gênero de vida adotado antes da Páscoa por Jesus e seus discípulos, qual valor  pode-se dar à teoria de um movimento de carismáticos itinerantes, vivendo sem  domicilio, nem família, nem bens? Foi mantida uma relação de continuidade,  baseada sobre o chamado de Jesus a segui-lo, entre a atitude de desprendimento  radical adotado por Jesus e aquela do movimento cristão após a Páscoa, nos mais  diversos ambientes da cristandade primitiva? O que sabemos da estrutura social  das comunidades paulinas, levando-se em conta, em cada caso, a cultura urbana  correspondente? 
Geralmente a abordagem sociológica dá  uma abertura maior ao trabalho exegético e comporta muitos aspectos positivos. O  conhecimento dos dados sociológicos que contribuem a fazer compreender o  funcionamento econômico, cultural e religioso do mundo bíblico é indispensável à  crítica histórica. A tarefa da exegese, de bem compreender o testemunho de fé da  Igreja apostólica, não pode ser levada a termo de maneira rigorosa sem uma  pesquisa científica que estude os estreitos relacionamentos dos textos do Novo  Testamento com a vivência social da Igreja primitiva. A utilização dos modelos  fornecidos pela ciência sociológica assegura às pesquisas dos historiadores das  épocas bíblicas uma notável capacidade de renovação, mas é preciso,  naturalmente, que os modelos sejam modificados em função da realidade estudada.  
É o caso aqui de assinalar alguns  riscos que a abordagem sociológica faz correr a exegese. Efetivamente, se o  trabalho da sociologia consiste em estudar as sociedades vivas, é previsível  encontrar algumas dificuldades logo que se quer aplicar seus métodos a ambientes   históricos que pertençam a um passado longínquo. Os textos bíblicos e  extra-bíblicos não fornecem forçosamente uma documentação suficiente para dar  uma visão de conjunto da sociedade da época. Aliás, o método sociológico tende a  dar mais atenção aos aspectos econômicos e institucionais da existência humana  do que às suas dimensões pessoais e religiosas. 
2. Abordagem através da  antropologia cultural 
A abordagem dos textos bíblicos que  utiliza as pesquisas de antropologia cultural está em ligação estreita com a  abordagem sociológica. A distinção dessas duas abordagens situa-se ao mesmo  tempo a nível da sensibilidade, do método e dos aspectos da realidade que retêm  a atenção. Enquanto que a abordagem sociológica — acabamos de dizê-lo — estuda  sobretudo os aspectos econômicos e institucionais, a abordagem antropológica  interessa-se por um vasto conjunto de outros aspectos que se refletem na  linguagem, arte, religião, mas também nos vestuários, ornamentos, festas,  danças, mitos, lendas e tudo o que concerne a etnografia. 
Geralmente a antropologia cultural  procura definir as características dos diferentes tipos de homens no ambiente  social deles — como por exemplo, o homem mediterrânico — com tudo o que isso  implica de estudo do ambiente rural ou urbano e de atenção voltada aos valores  reconhecidos pela sociedade (honra e desonra, segredo, fidelidade, tradição,  gênero de educação e de escolas), à maneira pela qual se exerce o controle  social, às idéias que se tem da família, da casa, do parentesco, à situação da  mulher, dos binômios institucionais (patrão-cliente, proprietário-locatário,  benfeitor-beneficiário, homem livre-escravo), sem esquecer a concepção do  sagrado e do profano, os tabus, o ritual de passagem de uma situação a uma  outra, a magia, a origem dos recursos, do poder, da informação, etc. 
Tendo-se por base esses diversos  elementos, constitui-se tipologias e « modelos » comuns a várias culturas.  
Esse gênero de estudos pode  evidentemente ser útil para a interpretação dos textos bíblicos e ele é  efetivamente utilizado para o estudo das concepções de parentesco no Antigo  Testamento, a posição da mulher na sociedade israelita, a influência dos ritos  agrários, etc. Nos textos que relatam o ensinamento de Jesus, por exemplo as  parábolas, muitos detalhes podem ser esclarecidos graças a essa abordagem.  Ocorre o mesmo para as concepções fundamentais, como aquela do reino de Deus, ou  para a maneira de conceber o tempo na história da salvação, assim como para os  processos de aglutinação das comunidades primitivas. Esta abordagem permite  distinguir melhor os elementos permanentes da mensagem bíblica cujo fundamento  está na natureza humana, e as determinações contingentes segundo culturas  particulares. Todavia, não mais que outras abordagens particulares, esta não  está em si à altura de levar em conta as contribuições específicas da revelação.  Convém estar ciente disso no momento de apreciar o alcance de seus resultados.  
3. Abordagens psicológicas e  psicanalíticas 
Psicologia e teologia não cessaram  jamais de estar em diálogo uma com a outra. A extensão moderna das pesquisas  psicológicas ao estudo das estruturas dinâmicas do inconsciente suscitou novas  tentativas de interpretação dos textos antigos, e assim também da Bíblia. Obras  inteiras foram consagradas à interpretação psicanalítica de textos bíblicos.  Vivas discussões seguiram-nas: em qual medida e em quais condições as pesquisas  psicológicas e psicanalíticas podem contribuir para uma compreensão mais  profunda da Santa Escritura? 
Os estudos de psicologia e de  psicanálise trazem à exegese bíblica um enriquecimento, pois, graças a eles os  textos da Bíblia podem ser melhor entendidos enquanto experiências de vida e  regras de comportamento. A religião, sabe-se, é sempre em uma situação de debate  com o inconsciente. Ela participa, em uma larga medida, à correta orientação das  pulsões humanas. As etapas que a crítica histórica percorre metodicamente  precisam ser complementadas por um estudo dos diversos níveis da realidade  expressa nos textos. A psicologia e a psicanálise esforçam-se em avançar nesta  direção. Elas abrem a via para uma compreensão pluridimensional da Escritura, e  elas ajudam a decifrar a linguagem humana da revelação. 
A psicologia e, de outra maneira, a  psicanálise deram particularmente uma nova compreensão do símbolo. A linguagem  simbólica permite exprimir zonas da experiência religiosa que não são acessíveis  ao raciocínio puramente conceitual, mas têm valor para a questão da verdade. É  por isso que um estudo interdisciplinar conduzido em comum por exegetas e  psicólogos ou psicanalistas apresenta vantagens certas, fundadas objetivamente e  confirmadas na pastoral. 
Numerosos exemplos podem ser citados,  que mostram a necessidade de um esforço comum dos exegetas e dos psicólogos:  para esclarecer o sentido dos ritos do culto, dos sacrifícios, dos interditos,  para explicar a linguagem cheia de imagens da Bíblia, o alcance metafórico dos  relatos de milagres, a força dramática das visões e audições apocalípticas. Não  se trata simplesmente de descrever a linguagem simbólica da Bíblia, mas  apreender sua função de revelação e de interpelação: a realidade « luminosa » de  Deus entra aqui em contato com o homem. 
O diálogo entre exegese e psicologia  ou psicanálise em vista de uma compreensão melhor da Bíblia deve evidentemente  ser crítico e respeitar as fronteiras de cada disciplina. Em todo caso, uma  psicologia ou uma psicanálise que fosse atéia se tornaria incapaz de considerar  os dados da fé. Úteis para definir a extensão da responsabilidade humana,  psicologia e psicanálise não devem eliminar a realidade do pecado e da salvação.  Deve-se, aliás, evitar de confundir religiosidade espontânea e revelação bíblica  ou de prejudicar o caráter histórico da mensagem da Bíblia, que lhe assegura um  valor de acontecimento único. 
Notemos ainda que não se pode falar  da « exegese psicanalítica » como se houvesse apenas uma. Existe, em realidade,  provenientes de diversos domínios da psicologia e das diversas escolas, uma  grande variedade de conhecimentos suscetíveis de contribuir à interpretação  humana e teológica da Bíblia. Considerar absoluta uma ou outra posição de uma  das escolas não favorece a fecundidade do esforço comum, ao contrário lhe e  nocivo. 
As ciências humanas não se reduzem à  sociologia, à antropologia cultural e à psicologia. Outras disciplinas podem  também ser úteis para a interpretação da Bíblia. Em todos esses domínios é  preciso respeitar as competências e reconhecer que é pouco freqüente que uma  mesma pessoa seja ao mesmo tempo qualificada em exegese e em uma ou outra das  ciências humanas. 
E. Abordagens contextuais  
A interpretação de um texto é sempre  dependente da mentalidade e das preocupações de seus leitores. Estes últimos dão  uma atenção privilegiada a certos aspectos e, sem mesmo pensar, negligenciam  outros. É então inevitável que exegetas adotem, em seus trabalhos, novos pontos  de vista que correspondam a correntes de pensamento contemporâneas que não  obtiveram, até aqui, uma importância suficiente. Convém que eles o faça m com  discernimento crítico. Atualmente os movimentos de libertação e o feminismo  retêm particularmente a atenção. 
1. Abordagem da libertação  
A teologia da libertação é um  fenômeno complexo que é preciso não simplificar indevidamente. Como movimento  teológico ele se consolida no início dos anos 70. Seu ponto de partida, além das  circunstâncias econômicas, sociais e politicas dos países da América Latina,  encontra-se em dois grandes acontecimentos eclesiais: o Concilio Vaticano II,  com sua vontade declarada de aggiornamento e de orientação do trabalho  pastoral da Igreja em direção às necessidades do mundo atual, e a 2ª Assembléia  plenária do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano) em Medellin em 1968, que  aplicou os ensinamentos do Concilio às necessidades da América Latina. O  movimento se propagou também em outras partes do mundo (África, Ásia, população  negra dos Estados Unidos). 
É difícil discernir se existe « uma »  teologia da libertação e definir seu método. É tão difícil quanto determinar  adequadamente sua maneira de ler a Bíblia para indicar em seguida as  contribuições e os limites. Pode-se dizer que ela não adota um método especial.  Mas, partindo de pontos de vista sócio-culturais e políticos próprios, ela  pratica uma leitura bíblica orientada em função das necessidades do povo, que  procura na Bíblia o alimento da sua fé e da sua vida. 
Ao invés de se contentar com uma  interpretação objetivante, que se concentra sobre aquilo que diz o texto em seu  contexto de origem, procura-se uma leitura que nasça da situação vivida pelo  povo. Se este último vive em circunstâncias de opressão, é preciso recorrer à  Bíblia para nela procurar o alimento capaz de sustentá-lo em suas lutas e suas  esperanças. A realidade presente não deve ser ignorada, mas, ao contrário,  afrontada em vista de iluminá-la à luz da Palavra. Desta luz resultará a práxis  cristã autêntica, tendendo à transformação da sociedade por meio da justiça e do  amor. Na fé, a Escritura se transforma em fator de dinamismo de libertação  integral. 
Os princípios são os  seguintes: 
Deus está presente na história de seu  povo para salvá-lo. Ele é o Deus dos pobres, que não pode tolerar a opressão nem  a injustiça. 
É por isso que a exegese não pode ser  neutra, mas deve tomar partido pelos pobres no seguimento de Deus, e engajar-se  no combate pela libertação dos oprimidos. 
A participação a esse combate  permite, precisamente, de fazer aparecer sentidos que se descobrem somente  quando os textos bíblicos são lidos em um contexto de solidariedade efetiva com  os oprimidos. 
Como a libertação dos oprimidos é um  processo coletivo, a comunidade dos pobres é a melhor destinatária para receber  a Bíblia como palavra de libertação. Além disso, os textos bíblicos tendo sido  escritos para comunidades, é a comunidades que em primeiro lugar a leitura da  Bíblia é confiada. A Palavra de Deus é plenamente atual, graças sobretudo à  capacidade que possuem os « acontecimentos fundadores » (a saída do Egito, a  paixão e a ressurreição de Jesus) de suscitar novas realizações no curso da  história. 
A teologia da libertação compreende  elementos cujo valor é indubitável: o sentido profundo da presença de Deus que  salva; a insistência sobre a dimensão comunitária da fé; a urgência de uma  práxis libertadora enraizada na justiça e no amor; uma releitura da Bíblia que  procura fazer da Palavra de Deus a luz e o alimento do povo de Deus em meio a  suas lutas e suas esperanças. Assim é sublinhada a plena atualidade do texto  inspirado. 
Mas a leitura tão engajada da Bíblia  comporta riscos. Como ela é ligada a um movimento em plena evolução, as  observações que seguem não podem que ser provisórias. 
Essa leitura se concentra sobre  textos narrativos e proféticos que iluminam situações de opressão e que inspiram  uma práxis tendendo a uma mudança social: aqui ou lá ela pôde ser parcial, não  dando tanta atenção a outros textos da Bíblia. É certo que a exegese não pode  ser neutra, mas ela deve também evitar de ser unilateral. Aliás, o engajamento  social e politico não é a tarefa direta do exegeta. 
Querendo inserir a mensagem bíblica  no contexto sócio-político, teólogos e exegetas foram levados ao recurso de  instrumentos de análise da realidade social. Nesta perspectiva, algumas  correntes da teologia da libertação fizeram uma análise inspirada em doutrinas  materialistas e é nesse quadro também que elas leram a Bíblia, o que não deixou  de provocar questões, notadamente no que concerne o princípio marxista da luta  de classes. 
Sob a pressão de enormes problemas  sociais, o acento foi colocado principalmente sobre uma escatologia terrestre,  muitas vezes em detrimento da dimensão escatológica transcendente da Escritura.  
As mudanças sociais e políticas  conduzem esta abordagem a se propôr novas questões e a procurar novas  orientações. Para seu desenvolvimento ulterior e sua fecundidade na Igreja, um  fator decisivo será o esclarecimento de seus pressupostos hermenêuticos, de seus  métodos e de sua coerência com a fé e a Tradição do conjunto da Igreja.  
2. Abordagem feminista  
A hermenêutica bíblica feminista  nasceu por volta do fim do século XIX nos Estados Unidos, no contexto  sócio-cultural da luta pelos direitos da mulher, com o comitê de revisão da  Bíblia. Este último produziu o « The Woman's Bible » em dois volumes (New York  1885, 1898). Esta corrente se manifestou com grande vigor e teve um enorme  desenvolvimento a partir dos anos '70, em ligação com o movimento de libertação  da mulher, sobretudo na América do Norte. Melhor dizendo, deve-se distinguir  várias hermenêuticas bíblicas feministas, pois as abordagens utilizadas são  muito diversas. A unidade delas provém do tema comum, isto é a mulher, e do fim  perseguido: a libertação da mulher e a conquista de direitos iguais aos do  homem. 
Deve-se mencionar aqui três formas  principais da hermenêutica bíblica feminista: a forma radical, a forma  neo-ortodoxa e a forma crítica. 
A forma radical recusa  completamente a autoridade da Bíblia, dizendo que ela foi produzida por homens  em vista de assegurar a dominação do homem sobre a mulher (androcentrismo).  
A forma neo-ortodoxa aceita a  Bíblia como profecia e suscetível de servir, na medida em que ela toma partido  pelos fracos e assim também pela mulher; esta orientação é adotada como « cânon  no cânon », para colocar em relevo tudo aquilo que é em favor da libertação da  mulher e de seus direitos. 
A forma crítica utiliza uma  metodologia sutil e procura redescobrir a posição e o papel da mulher cristã no  movimento de Jesus e nas Igrejas paulinas. Naquela época teria-se adotado o  igualitarismo. Mas esta situação teria sido mascarada, em grande parte, nos  escritos do Novo Testamento e ainda mais na sua sequência, tendo  progressivamente prevalecido o patriarcalismo e o androcentrismo. 
A hermenêutica feminista não elaborou  um método novo. Ela se serve dos métodos correntes em exegese, especialmente o  método histórico-crítico. Mas ela acrescenta dois critérios de investigação.  
O primeiro é o critério feminista,  tomado do movimento de libertação da mulher, na linha do movimento mais geral da  teologia da libertação. Ele utiliza uma hermenêutica da suspeita: tendo a  história sido regularmente escrita pelos vencedores, para encontrar a verdade  não se deve confiar nos textos, mas procurar neles indícios que revelem outra  coisa. 
O segundo critério é sociológico; ele  se baseia no estudo das sociedades dos tempos bíblicos, de sua estratificação  social e da posição que a mulher ocupava. 
No que concerne os escritos  neo-testamentários, o objeto do estudo, em definitivo, não é a concepção da  mulher expressa no Novo Testamento, mas a reconstrução histórica de duas  situações diferentes da mulher no primeiro século: aquela que era habitual na  sociedade judaica e greco-romana e a outra, inovadora, instituída no movimento  de Jesus e nas Igrejas paulinas, onde teria-se formado « uma comunidade de  discípulos de Jesus, todos iguais ». Um dos apoios invocados para sustentar esta  visão das coisas é o texto de Gal 3,28. O objetivo é redescobrir para o  presente a história esquecida do papel da mulher na Igreja das origens.  
Numerosas são as contribuições  positivas que provêm da exegese feminista. As mulheres tomaram assim uma parte  mais ativa na pesquisa exegética. Elas conseguiram, muitas vezes melhor do que  os homens, perceber a presença, o significado e o papel da mulher na Bíblia, na  história das origens cristãs e na Igreja. O horizonte cultural moderno, graças à  sua maior atenção à dignidade da mulher e ao papel dela na sociedade e na  Igreja, faz com que sejam dirigidas ao texto bíblico interrogações novas,  ocasiões de novas descobertas. A sensibilidade feminina leva a revelar e a  corrigir certas interpretações correntes, que eram tendenciosas e visavam  justificar a dominação do homem, sobre a mulher. 
No que concerne o Antigo Testamento,  vários estudos esforçaram-se de chegar a uma compreensão melhor da imagem de  Deus. O Deus da Bíblia não é projeção de uma mentalidade patriarcal. Ele é Pai,  mas ele é também Deus de ternura e de amor maternais. 
Na medida em que a exegese feminista  se fundamenta sobre uma idéia preconcebida, ela se expõe a interpretar os textos  bíblicos de maneira tendenciosa e portanto contestável. Para provar suas teses  ela deve muitas vezes, na falta de melhor, recorrer a argumentos ex  silentio. É sabido que estes são geralmente duvidosos; eles não podem nunca  bastar para estabelecer solidamente uma conclusão. De outro lado, a tentativa  feita para reconstituir, graças a indícios fugitivos discernidos nos textos, uma  situação histórica que esses mesmos textos pretendem querer esconder, não  corresponde mais a um trabalho de exegese propriamente dito, pois ela conduz à  rejeição dos textos inspirados preferindo uma construção hipotética diferente.  
A exegese feminista propõe muitas  vezes questões de poder na Igreja que são, sabe-se, objeto de discussões e mesmo  de confrontos. Nesse domínio, a exegese feminista só poderá ser útil à Igreja na  medida em que ela não cair nas armadilhas mesmas que denuncia e quando ela não  perder de vista o ensinamento evangélico sobre o poder como serviço, ensinamento  endereçado por Jesus a todos os seus discípulos, homens e mulheres.(2)
F. Leitura fundamentalista  
A leitura fundamentalista parte do  princípio de que a Bíblia, sendo Palavra de Deus inspirada e isenta de erro,  deve ser lida e interpretada literalmente em todos os seus detalhes. Mas por «  interpretação literal » ela entende uma interpretação primária, literalista,  isto é, excluindo todo esforço de compreensão da Bíblia que leve em conta seu  crescimento histórico e seu desenvolvimento. Ela se opõe assim à utilização do  método histórico-crítico, como de qualquer outro método científico, para a  interpretação da Escritura. 
A leitura fundamentalista teve sua  origem na época da Reforma, com uma preocupação de fidelidade ao sentido literal  da Escritura. Após o século das Luzes, ela se apresentou no protestantismo como  uma proteção contra a exegese liberal. O termo « fundamentalista » é ligado  diretamente ao Congresso Bíblico Americano realizado em Niagara, Estado de New  York, em 1895. Os exegetas protestantes conservadores definiram nele « cinco  pontos de fundamentalismo »: a inerrância verbal da Escritura, a divindade de  Cristo, seu nascimento virginal, a doutrina da expiação vicária e a ressurreição  corporal quando da segunda vinda de Cristo. Logo que a leitura fundamentalista  da Bíblia se propagou em outras partes do mundo ela fez nascer outras espécies  de leituras, igualmente « literalistas », na Europa, Ásia, Africa e América do  Sul. Esse gênero de leitura encontra cada vez mais adeptos, no decorrer da  última parte do século XX, em grupos religiosos e seitas assim como também entre  os católicos. 
Se bem que o fundamentalismo tenha  razão em insistir sobre a inspiração divina da Bíblia, a inerrância da Palavra  de Deus e as outras verdades bíblicas inclusas nos cinco pontos fundamentais,  sua maneira de apresentar essas verdades está enraizada em uma ideologia que não  é bíblica, apesar do que dizem seus representantes. Ela exige uma forte adesão a  atitudes doutrinárias rígidas e impõe, como fonte única de ensinamento a  respeito da vida cristã e da salvação, uma leitura da Bíblia que recusa todo  questionamento e toda pesquisa crítica. 
O problema de base dessa leitura  fundamentalista é que recusando de levar em consideração o caráter histórico da  revelação bíblica, ela se torna incapaz de aceitar plenamente a verdade da  própria Encarnação. O fundamentalismo foge da estreita relação do divino e do  humano no relacionamento com Deus. Ele se recusa em admitir que a Palavra de  Deus inspirada foi expressa em linguagem humana e que ela foi redigida, sob a  inspiração divina, por autores humanos cujas capacidades e recursos eram  limitados. Por esta razão, ele tende a tratar o texto bíblico como se ele  tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito e não chega a reconhecer  que a Palavra de Deus foi formulada em uma linguagem e uma fraseologia  condicionadas por uma ou outra época. Ele não dá nenhuma atenção às formas  literárias e às maneiras humanas de pensar presentes nos textos bíblicos, muitos  dos quais são fruto de uma elaboração que se estendeu por longos períodos de  tempo e leva a marca de situações históricas muito diversas. 
O fundamentalismo insiste também de  uma maneira indevida sobre a inerrância dos detalhes nos textos bíblicos,  especialmente em matéria de fatos históricos ou de pretensas verdades  científicas. Muitas vezes ele torna histórico aquilo que não tinha a pretensão  de historicidade, pois ele considera como histórico tudo aquilo que é reportado  ou contado com os verbos em um tempo passado, sem a necessária atenção à  possibilidade de um sentido simbólico ou figurativo. 
O fundamentalismo tem muitas vezes  tendência a ignorar ou a negar os problemas que o texto bíblico comporta na sua  formulação hebraica, aramaica ou grega. Ele é muitas vezes estreitamente ligado  a uma tradição determinada, antiga ou moderna. Ele se omite igualmente de  considerar as « releituras » de certas passagens no interior da própria Bíblia.  
No que concerne os Evangelhos, o  fundamentalismo não leva em consideração o crescimento da tradição evangélica,  mas confunde ingenuamente o estágio final desta tradição (o que os evangelistas  escreveram) com o estágio inicial (as ações e as palavras do Jesus da história).  Ele negligencia assim um dado importante: a maneira com a qual as próprias  primeiras comunidades cristãs compreenderam o impacto produzido por Jesus de  Nazaré e sua mensagem. Ora, aqui está um testemunho da origem apostólica da fé  cristã e sua expressão direta. O fundamentalismo desnatura assim o apelo lançado  pelo próprio Evangelho. 
O fundamentalismo tem igualmente  tendência a uma grande estreiteza de visão, pois ele considera conforme à  realidade uma antiga cosmologia já ultrapassada, só porque encontra-se expressa  na Bíblia; isso impede o diálogo com uma concepção mais ampla das relações entre  a cultura e a fé. Ele se apóia sobre uma leitura não-crítica de certos textos da  Bíblia para confirmar idéias políticas e atitudes sociais marcadas por  preconceitos, racistas, por exemplo, simplesmente contrários ao Evangelho  cristão. 
Enfim, em sua adesão ao princípio do  « sola Scriptura », o fundamentalismo separa a interpretação da Bíblia da  Tradição guiada pelo Espírito, que se desenvolve autenticamente em ligação com a  Escritura no seio da comunidade de fé. Falta-lhe entender que o Novo Testamento  tomou forma no interior da Igreja cristã e que ele é Escritura Santa desta  Igreja, cuja existência precedeu a composição de seus textos. Assim, o  fundamentalismo é muitas vezes anti-eclesial; ele considera negligenciáveis os  credos, os dogmas e as práticas litúrgicas que se tornam parte da tradição  eclesiástica, como também a função de ensinamento da própria Igreja. Ele se  apresenta como uma forma de interpretação privada, que não reconhece que a  Igreja é fundada sobre a Bíblia e tira sua vida e sua inspiração das Escrituras.  
A abordagem fundamentalista é  perigosa, pois ela é atraente para as pessoas que procuram respostas bíblicas  para seus problemas da vida. Ela pode enganá-las oferecendo-lhes interpretações  piedosas mas ilusórias, ao invés de lhes dizer que a Bíblia não contém  necessariamente uma resposta imediata a cada um desses problemas. O  fundamentalismo convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ele  coloca na vida uma falsa certeza, pois ele confunde inconscientemente as  limitações humanas da mensagem bíblica com a substancia divina dessa mensagem.  
A. Hermenêuticas filosóficas  
A atividade da exegese é chamada a  ser repensada levando-se em consideração a hermenêutica filosófica  contemporânea, que colocou em evidência a implicação da subjetividade no  conhecimento, especialmente no conhecimento histórico. A reflexão hermenêutica  teve nova força com a publicação dos trabalhos de Friedrich Schleiermacher,  Wilhelm Dilthey e, sobretudo, Martin Heidegger. Na trilha destes filósofos, mas  também distanciando-se deles, diversos autores aprofundaram a teoria  hermenêutica contemporânea e suas aplicações à Escritura. Entre eles  mencionaremos especialmente Rudolf Bultmann, Hans Georg Gadamer e Paul Ricceur.  Não se pode aqui resumir-lhes o pensamento. Será suficiente indicar algumas  idéias centrais da filosofia deles, aquelas que têm uma incidência sobre a  interpretação dos textos bíblicos.(3)  
1. Perspetivas modernas  
Constatando a distância cultural  entre o mundo do primeiro século e aquele do século XX, e preocupado em obter  que a realidade da qual trata a Escritura fale ao homem contemporâneo,  Bultmann insistiu na pré-compreensão necessária a toda compreensão e  elaborou a teoria da interpretação existencial dos escritos do Novo Testamento.  Apoiando-se no pensamento de Heidegger, ele afirma que a exegese de um texto  bíblico não é possível sem pressupostos que dirigem a compreensão. A  pré-compreensão (« Vorverständnis ») é  fundamentada na relação vital (« Lebensverhältnis ») do intérprete com a coisa da qual fala o texto.  Para evitar o subjetivismo, é preciso no entanto que a pré-compreensão se deixe  aprofundar e enriquecer, até mesmo se modificar e se corrigir, por aquilo do  qual fala o texto. 
Interrogando-se sobre a conceituação  justa que definirá o questionamento a partir do qual os textos da Escritura  poderão ser entendidos pelo homem de hoje, Bultmann pretende encontrar a  resposta na analítica existencial de Heidegger. Os existenciais heideggerianos  teriam um alcance universal e ofereceriam as estruturas e os conceitos mais  apropriados para a compreensão da existência humana revelada na mensagem do Novo  Testamento. 
Gadamer sublinha igualmente a  distância histórica entre o texto e seu intérprete. Ele retoma e desenvolve a  teoria do círculo hermenêutico. As antecipações e as pré-concepções que marcam  nossa compreensão provêm da tradição que nos sustenta. Esta consiste em um  conjunto de dados históricos e culturais, que constituem nosso contexto vital,  nosso horizonte de compreensão. O intérprete deve entrar em diálogo com a  realidade à qual se refere o texto. A compreensão se opera na fusão dos  horizontes diferentes do texto e de seu leitor (« Horizontverschmelzung »). Ela  só é possível se há uma dependência (« Zugehörigkeit »), isto é, uma afinidade  fundamental entre o intérprete e seu objeto. A hermenêutica é um processo  dialético: a compreensão de um texto é sempre uma compreensão mais ampla de si  mesmo. 
Do pensamento hermenêutico de Ricoeur  retém-se primeiramente o relevo dado à função de distanciação como condição  necessária a uma justa apropriação do texto. Uma primeira distância existe entre  o texto e seu autor, pois, uma vez produzido, o texto adquire uma certa  autonomia em relação a seu autor; ele começa uma carreira de sentidos. Uma outra  distancia existe entre o texto e seus leitores sucessivos; estes devem respeitar  o mundo do texto em sua alteridade. Os métodos de análise literária e histórica  são assim necessários à interpretação. No entanto, o sentido de um texto só pode  ser dado plenamente se ele é atualizado na vida de leitores que se apropriam  dele. A partir da própria situação, os leitores são chamados a realçar  significados novos, na linha do sentido fundamental indicado pelo texto. O  conhecimento bíblico não deve se fixar só na linguagem; ele procura atingir a  realidade da qual fala o texto. A linguagem religiosa da Bíblia é uma linguagem  simbólica que « faz pensar », uma linguagem da qual não se cessa de descobrir as  riquezas de sentido, uma linguagem que visa uma realidade transcendente e que,  ao mesmo tempo, desperta a pessoa humana à dimensão profunda de seu ser.  
2. Utilidade para a exegese  
O que dizer dessas teorias  contemporâneas de interpretação dos textos? A Bíblia é Palavra de Deus para  todas as épocas que se sucedem. Consequentemente não se poderia dispensar uma  teoria hermenêutica que permite incorporar os métodos de crítica literária e  histórica em um modelo de interpretação mais amplo. Trata-se de ultrapassar a  distância entre o tempo dos autores e primeiros destinatários dos textos  bíblicos e nossa época contemporânea, de modo a atualizar corretamente a  mensagem dos textos para alimentar a vida de fé dos cristãos. Toda exegese dos  textos é chamada a ser completada por uma « hermenêutica », no sentido recente  do termo. 
A necessidade de uma hermenêutica,  isto é, de uma interpretação no hoje do nosso mundo, encontra um fundamento na  própria Bíblia e na história de sua interpretação. O conjunto dos escritos do  Antigo e do Novo Testamento apresenta-se como o produto de um longo processo de  reinterpretação dos acontecimentos fundadores, ligado com a vida das comunidades  de fiéis. Na tradição eclesial, os primeiros intérpretes da Escritura, os Padres  da Igreja, consideravam que a exegese que faziam dos textos só era completa  quando eles evidenciavam o sentido para os cristãos do tempo deles e na situação  em que viviam. Só se é fiel à intencionalidade dos textos bíblicos na medida que  se tenta reencontrar no coração de sua formulação a realidade de fé que eles  exprimem, e se esta se liga à experiência dos fiéis do nosso mundo. 
A hermenêutica contemporânea é uma  reação sadia ao positivismo histórico e à tentação de aplicar ao estudo da  Bíblia os critérios de objetividade utilizados nas ciências naturais. De um  lado, os acontecimentos narrados na Bíblia são acontecimentos interpretados. De  outro lado, toda exegese dos relatos desses acontecimentos implica  necessariamente a subjetividade do exegeta. O conhecimento justo do texto  bíblico só é acessível àquele que tem uma afinidade viva com aquilo do qual fala  o texto. A pergunta que se faz a todo intérprete é a seguinte: qual teoria  hermenêutica torna possível a justa apreensão da realidade profunda da qual fala  a Escritura e sua expressão significativa para o homem de hoje? 
É preciso reconhecer, efetivamente,  que certas teorias hermenêuticas são inadequadas para interpretar a Escritura.  Por exemplo, a interpretação existencial de Bultmann conduz ao aprisionamento da  mensagem cristã na argola de uma filosofia particular. Além disso, em virtude  dos pressupostos que comandam esta hermenêutica, a mensagem religiosa da Bíblia  é esvaziada em grande parte de sua realidade objetiva (na sequência de uma  excessiva « demitização ») e tende a se subordinar a uma mensagem antropológica.  A filosofia torna-se norma de interpretação invés de ser instrumento de  compreensão daquilo que é o objeto central de toda interpretação: a pessoa de  Jesus Cristo e os acontecimentos da salvação realizados em nossa história. Uma  autêntica interpretação da Escritura é primeiramente acolhida de um sentido dado  nos acontecimentos e, de maneira suprema, na pessoa de Jesus Cristo. 
Este sentido é expresso nos textos.  Para evitar o subjetivismo, uma boa atualização deve então ser fundada sobre o  estudo do texto e os pressupostos de leitura devem ser constantemente submetidos  à verificação através do texto. 
A hermenêutica bíblica, se ela é da  competência da hermenêutica geral de todo texto literário e histórico, é ao  mesmo tempo um caso único dentro dela. Suas características específicas vêm-lhe  de seu objeto. Os acontecimentos da salvação e sua realização na pessoa de Jesus  Cristo dão sentido a toda a história humana. As novas interpretações históricas  só poderão ser descoberta e desdobramento dessas riquezas de sentido. O relato  bíblico desses acontecimentos não pode ser plenamente entendido só pela razão.  Pressupostos particulares comandam sua interpretação, como a fé vivida na  comunidade eclesial e à luz do Espírito. Com o crescimento da vida no Espírito  cresce, no leitor, a compreensão das realidades das quais fala o texto bíblico.  
B. Sentido da Escritura  inspirada 
A contribuição moderna das  hermenêuticas filosóficas e os desenvolvimentos recentes do estudo científico  das literaturas, permitem à exegese bíblica de aprofundar a compreensão de sua  tarefa, cuja complexidade tornou-se mais evidente. A exegese antiga, que  evidentemente não podia levar em consideração as exigências científicas  modernas, atribuía a todo texto da Escritura sentidos de vários níveis. A  distinção mais corrente se fazia entre sentido literal e sentido espiritual. A  exegese medieval distinguiu no sentido espiritual três aspectos diferentes que  se relacionam, respectivamente, à verdade revelada, à conduta a ser mantida e à  realização final. Daí o célebre dístico de Agostinho da Dinamarca (século XIII):  « Littera gesta docet, quid credas allegoria, moralis quid agas, quid speres  anagogia ». 
Como reação a esta multiplicidade de  sentidos, a exegese histórico-crítica adotou, mais ou menos abertamente, a tese  da unicidade de sentidos, segundo a qual um texto não pode ter simultaneamente  vários significados. Todo esforço da exegese histórico-crítica é de definir « o  » sentido preciso de um ou outro texto bíblico nas circunstâncias de sua  produção. 
Mas esta tese choca-se agora com as  conclusões das ciências da linguagem e das hermenêuticas filosóficas, que  afirmam a polissemia dos textos escritos. 
O problema não é simples e ele não se  apresenta da mesma maneira para todos os gêneros de textos: relatos históricos,  parábolas, oráculos, leis, provérbios, orações, hinos, etc. Pode-se, entretanto,  dar alguns princípios gerais, levando-se em conta a diversidade das opiniões.  
1. Sentido literal 
É não apenas legítimo mas  indispensável procurar definir o sentido preciso dos textos tais como foram  produzidos por seus autores, sentido chamado de « literal ». Já são Tomás de  Aquino afirmava sua importância fundamental ( S. Th., I, q.l, a. 10, ad.  1). 
O sentido literal não deve ser  confundido com o sentido « literalista » ao qual aderem os  fundamentalistas. Não é suficiente traduzir um texto palavra por palavra para  obter seu sentido literal. É preciso compreendê-lo segundo as convenções  literárias da época. Quando um texto é metafórico, seu sentido literal não é  aquele que resulta imediatamente do palavra por palavra (por exemplo: « Tende os  rins cingidos », Lc 12,35), mas aquele que corresponde ao uso metafórico  dos termos (« Tende uma atitude de disponibilidade »). Quando se trata de um  relato, o sentido literal não comporta necessariamente a afirmação de que os  fatos contados tenham efetivamente acontecido, pois um relato pode não pertencer  ao gênero histórico, mas ser uma obra de imaginação. 
O sentido literal da Escritura é  aquele que foi expresso diretamente pelos autores humanos inspirados. Sendo o  fruto da inspiração, este sentido é também desejado por Deus, autor principal.  Ele é discernido graças a uma análise precisa do texto, situado em seu contexto  literário e histórico. A tarefa principal da exegese é de bem conduzir esta  análise, utilizando todas as possibilidades das pesquisas literárias e  históricas, em vista de definir o sentido literal dos textos bíblicos com a  maior exatidão possível (cf. Divino  afflante Spiritu: E. B., 550). Para esta finalidade, o estudo dos  gêneros literários antigos é particularmente necessário (ibid. 560).  
O sentido literal de um texto é  único? Geralmente sim; mas não se trata aqui de um princípio absoluto, e  isso por duas razões. De um lado, um autor humano pode querer se referir ao  mesmo tempo a vários níveis de realidade. O caso é comum em poesia. A inspiração  bíblica não desdenha esta possibilidade da psicologia e da linguagem humana; o  IV Evangelho fornece numerosos exemplos disto. De outro lado, mesmo quando uma  expressão humana parece ter um único significado, a inspiração divina pode guiar  a expressão de maneira a produzir urna ambivalência. Este é o caso da palavra de  Caifás em Jo 11,50. Ela exprime ao mesmo tempo um cálculo político imoral e uma  revelação divina. Estes dois aspectos pertencem um e outro ao sentido literal,  pois eles são, os dois, colocados em evidência pelo contexto. Se bem que ele  seja extremo, este caso é significativo; ele deve advertir contra uma concepção  muito estrita do sentido literal dos textos inspirados. 
Convém particularmente estar atento  ao aspecto dinâmico de muitos textos. O sentido dos Salmos reais, por  exemplo, não deve estar limitado estritamente às circunstâncias históricas da  produção deles. Falando do rei, o salmista evocava ao mesmo tempo uma  instituição verdadeira e uma visão ideal da realeza, conforme ao plano de Deus,  de maneira que seu texto ultrapassava a instituição real tal como ela tinha se  manifestado na história. A exegese histórico-crítica teve muitas vezes a  tendência de fixar o sentido dos textos, ligando-o exclusivamente a  circunstâncias históricas precisas. Ela deve antes de tudo procurar determinar a  direção do pensamento expresso pelo texto, direção que, ao invés de convidar o  exegeta a fixar o sentido, sugere-lhe, ao contrário, de perceber seu  desenvolvimento mais ou menos previsível. 
Uma corrente da hermenêutica moderna  sublinhou a diferença de estatuto que afeta a palavra humana logo que ela é  colocada por escrito. Um texto escrito tem a capacidade de ser colocado em  circunstancias novas, que o iluminam de maneiras diferentes, acrescentando ao  seu sentido novas determinações. Esta capacidade do texto escrito é  especialmente efetiva no caso dos textos bíblicos, reconhecidos como Palavra de  Deus. Efetivamente, o que levou a comunidade de fiéis a conservá-los foi a  convicção que eles continuariam a ser portadores de luz e de vida para as  gerações vindouras. O sentido literal é, desde o início, aberto a  desenvolvimentos ulteriores, que se produzem graças a « releituras » em  contextos novos. 
Não se deve concluir que se possa  atribuir a um texto bíblico qualquer sentido, interpretando-o de maneira  subjetiva. E preciso, ao contrário, rejeitar como inautêntica toda interpretação  que seja heterogênea ao sentido expresso pelos autores humanos e no texto  escrito por eles. Admitir sentidos heterogêneos equivaleria a cortar a mensagem  bíblica de sua raiz, que é a Palavra de Deus comunicada historicamente, e a  abrir a porta a um subjetivismo incontrolável. 
2. Sentido espiritual  
Não é o caso, no entanto, de tomar «  heterogêneo » em um sentido estrito, contrário a toda possibilidade de  realização superior. O acontecimento pascal, morte e ressurreição de Jesus, deu  origem a um contexto histórico radicalmente novo, que ilumina de maneira nova os  textos antigos e os faz sofrer uma mutação de sentido. Particularmente certos  textos que nas antigas circunstancias deveriam ser considerados como hipérboles  (por exemplo, o oráculo onde Deus, falando de um filho de Davi, prometia afirmar  « para sempre » seu trono: 2 Sam 7,12-13; 1 Cron 17,11-14),  doravante esses textos devem ser tomados ao pé da letra, porque o « Cristo,  tendo ressuscitado dentre os mortos, já não morre » (Rom 6,9). Os  exegetas que têm uma noção limitada, « histórica », do sentido literal estimarão  que aqui há heterogeneidade. Aqueles que são abertos ao aspecto dinâmico dos  textos reconhecerão uma continuidade profunda ao mesmo tempo que uma passagem a  um nível diferente: o Cristo reina para sempre, mas não sobre o trono terrestre  de Davi (cf também Sal 2,7-8; 110,1.4). 
Nos casos desse gênero, fala-se de «  sentido espiritual ». Em regra geral, pode-se definir o sentido espiritual,  entendido segundo a fé cristã, como o sentido expresso pelos textos bíblicos,  logo que são lidos sob influência do Espírito Santo no contexto do mistério  pascal do Cristo e da vida nova que resulta dele. Esse contexto existe  efetivamente. O Novo Testamento reconhece nele a realização das Escrituras. É,  assim, normal reler as Escrituras à luz deste novo contexto, que é aquele da  vida no Espírito. 
Da definição dada pode-se fazer  várias precisões úteis sobre as relações entre sentido espiritual e sentido  literal: 
Em sentido contrário a uma opinião  corrente, não há necessariamente distinção entre esses dois sentidos. Quando um  texto bíblico se refere diretamente ao mistério pascal do Cristo ou à vida nova  que resulta dele, seu sentido literal é um sentido espiritual. Este é o caso  habitual no Novo Testamento. Conclui-se que é a respeito do Antigo Testamento  que a exegese cristã fala muitas vezes de sentido espiritual. Mas já no Antigo  Testamento, os textos têm em vários casos como sentido literal um sentido  religioso e espiritual. A fé cristã reconhece aqui uma relação antecipada com a  vida nova trazida pelo Cristo. 
Quando há distinção, o sentido  espiritual não pode jamais ser privado de relações com o sentido literal. Este  último permanece a base indispensável. De outra maneira não se poderia falar de  « realização » da Escritura. Para que haja realização efetiva, é essencial uma  relação de continuidade e de conformidade. Mas é preciso também que haja  passagem a um nível superior de realidade. 
O sentido espiritual não pode ser  confundido com as interpretações subjetivas ditadas pela imaginação ou a  especulação intelectual. Ele resulta da relação do texto com dados reais que não  lhe são estranhos, como o acontecimento pascal e sua fecundidade inesgotável que  constitui o grau supremo da intervenção divina na história de Israel em proveito  da humanidade inteira. 
A leitura espiritual, feita em  comunidade ou individualmente, descobre um sentido espiritual autêntico somente  se ela se mantém nessas perspectivas. Entram assim em relação três níveis de  realidade: o texto bíblico, o mistério pascal e as circunstâncias presentes de  vida no Espírito. 
Convencida de que o mistério de  Cristo dá a chave de interpretação a todas as Escrituras, a exegese antiga se  esforçou de encontrar um sentido espiritual nos menores detalhes dos textos  bíblicos — por exemplo, em cada prescrição das leis rituais — servindo-se de  métodos rabínicos ou inspirando-se no alegorismo helenístico. A exegese moderna  não pode dar um verdadeiro valor de interpretação a esse gênero de tentativa,  qualquer que tenha sido no passado sua utilidade pastoral (cf Divino  afflante Spiritu, E. B., 553). 
Um dos aspectos possíveis do sentido  espiritual é o aspecto tipológico, do qual se diz habitualmente que pertence não  à Escritura em si mas às realidades expressas por ela: Adão figura de Cristo (cf  Rm 5,14), o dilúvio figura do batismo (1 Pd 3,20-21), etc. De  fato, a relação de tipologia é ordinariamente baseada sobre a maneira pela qual  a Escritura descreve a realidade antiga (cf a voz de Abel: Gn 4,10;  He 11,4; 12,24) e não simplesmente sobre esta realidade.  Consequentemente, trata-se de um sentido da Escritura. 
3. Sentido pleno 
Relativamente recente, a denominação  de « sentido pleno » suscita discussões. Define-se o sentido pleno como um  sentido mais profundo do texto, desejado por Deus, mas não claramente expresso  pelo autor humano. Descobre-se sua existência em um texto bíblico quando se  estuda esse texto à luz de outros textos bíblicos que o utilizam ou em sua  relação com o desenvolvimento interno da revelação. 
Trata-se, então, ou do significado  que um autor bíblico atribui a um texto bíblico que lhe é anterior, quando ele o  retoma em um contexto que lhe confere um sentido literal novo, ou ainda do  significado que a tradição doutrinal autêntica ou uma definição conciliar dão a  um texto da Bíblia. Por exemplo, o contexto de Mt 1,23 dá um sentido  pleno ao oráculo de Is 7,14 sobre a almah que conceberá, utilizando a  tradução dos Setenta (parthenos): « A virgem conceberá ». O ensinamento  patrístico e conciliar sobre a Trindade expressa o sentido pleno do ensinamento  do Novo Testamento sobre Deus Pai, Filho e Espírito. A definição do pecado  original pelo Concilio de Trento fornece o sentido pleno do ensinamento de Paulo  em Rm 5,12-21 a respeito das consequências do pecado de Adão para a  humanidade. Mas, quando falta um controle desse gênero — por um texto bíblico  explicito ou por uma tradição doutrinal autêntica — o recurso a um pretenso  sentido pleno poderia conduzir a interpretações subjetivas desprovidas de toda  validade. 
Em definitivo, poderia-se considerar  o « sentido pleno » como uma outra maneira de designar o sentido espiritual de  um texto bíblico, no caso onde o sentido espiritual se distingue do sentido  literal. Seu fundamento é o fato de que o Espírito Santo, autor principal da  Bíblia, pode guiar o autor humano na escolha de suas expressões de tal forma que  estas últimas expressem uma verdade da qual ele não percebe toda a profundidade.  Esta é revelada mais completamente no decorrer do tempo, graças, de um lado, a  realizações divinas ulteriores que manifestem melhor o alcance dos textos e  graças também, de outro lado, à inserção dos textos no Cânon das Escrituras.  Assim é constituído um novo contexto, que faz aparecer potencialidades de  sentido que o contexto primitivo deixava na obscuridade.
A exegese católica não procura se  diferenciar por um método científico particular. Ela reconhece que um dos  aspectos dos textos bíblicos é o de ser a obra de autores humanos, que se  serviram de suas próprias capacidades de expressão e meios que a época e o  ambiente deles colocavam-lhes à disposição. Consequentemente, ela utiliza sem  subentendidos todos os métodos e abordagens científicos que permitem melhor  apreender o sentido dos textos no contexto linguístico, literário,  sócio-cultural, religioso e histórico deles, iluminando-os também pelo estudo de  suas fontes e levando em conta a personalidade de cada autor (cf Divino  afflante Spiritu, E. B., 557). Ela contribui ativamente ao  desenvolvimento dos métodos e ao progresso da pesquisa. 
O que a caracteriza é que ela se  situa conscientemente na tradição viva da Igreja, cuja primeira preocupação é a  fidelidade à revelação atestada pela Bíblia. As hermenêuticas modernas colocaram  em destaque, lembremo-nos, a impossibilidade de interpretar um texto sem partir  de uma « pré-compreensão » de um gênero ou de um outro. A exegese católica  aborda os escritos bíblicos com uma pré-compreensão que une estreitamente a  cultura moderna científica e a tradição religiosa proveniente de Israel e da  comunidade cristã primitiva. Sua interpretação encontra-se, assim, em  continuidade com o dinamismo de interpretação que se manifesta no interior da  própria Bíblia e que se prolonga em seguida na vida da Igreja. Ela corresponde à  exigência de afinidade vital entre o intérprete e seu objeto, afinidade que  constitui uma das condições de possibilidade do trabalho exegético. 
Toda pré-compreensão comporta,  entretanto, seus perigos. No caso da exegese católica o risco existe de atribuir  a textos bíblicos um sentido que eles não exprimem, mas que é o fruto de um  desenvolvimento ulterior da tradição. A exegese deve evitar este perigo.  
A. A interpretação na Tradição  bíblica 
Os textos da Bíblia são a expressão  de tradições religiosas que existiam antes deles. A maneira pela qual eles se  ligam a essas tradições é diferente segundo o caso, a criatividade dos autores  manifestando-se em graus diversos. No decorrer dos tempos, múltiplas tradições  convergiram pouco a pouco para formar uma grande tradição comum. A Bíblia é urna  manifestação privilegiada desse processo, que ela contribuiu a realizar e do  qual ela continua a ser reguladora. 
« A interpretação na Tradição bíblica  » comporta uma grande variedade de aspectos. Pode-se entender por esta expressão  a maneira com a qual a Bíblia interpreta as experiências humanas fundamentais ou  os acontecimentos particulares da história de Israel, ou ainda a maneira com a  qual os textos bíblicos utilizam fontes, escritas ou orais — algumas das quais  podem provenir de outras religiões ou culturas — reinterpretando-as. Mas sendo  nosso assunto a interpretação da Bíblia, nós não queremos tratar aqui  destas questões tão vastas, mas simplesmente propor algumas observações sobre a  interpretação dos textos bíblicos no interior da própria Bíblia. 
1. Releituras 
O que contribui a dar à Bíblia sua  unidade interna, única em seu gênero, é o fato de que os escritos bíblicos  posteriores apóiam-se muitas vezes sobre os escritos anteriores. Fazem alusão a  eles, propõem « releituras » que desenvolvem novos aspectos de sentido, algumas  vezes muito diferentes do sentido primitivo, ou ainda referem-se a eles  explicitamente, seja para aprofundar-lhes o significado, seja para afirmar-lhes  a realização. 
É assim que a herança de uma terra,  prometida por Deus a Abrahão para a sua descendência (Gn 15,7.18),  torna-se a entrada no santuário de Deus (Ex 15,17), uma participação ao  repouso de Deus (Sal 132,7-8) reservada aos verdadeiros fiéis (Sal  95,8-11; He 3,7-4,11) e, finalmente, a entrada no santuário celeste  (He 6,12.18-20), «herança eterna » (He 9,15). 
O oráculo do profeta Natã, que  promete a Davi uma « casa », isto é, uma sucessão dinástica, « estável para  sempre » (2 Sam 7,12-16), é lembrado em numerosas ocasiões (2 Sam  23,5; 1 Re 2,4; 3,6; 1 Cron 17,11-14), especialmente nos tempos de  aflição (Sal 89,20-38), não sem variações significativas, e ele é  desenvolvido por outros oráculos (Sal 2,7-8; 110,1.4; Am 9,11;  Is 7,13-14; Jer 23,5-6; etc.), alguns dos quais anunciam o retorno  do próprio reino de Davi (Os 3,5; Jer 30,9; Ez 34,24;  37,24-25; cf Mc 11,10). O reino prometido torna-se universal (Sal  2,8; Dn 2,35.44; 7,14; cf Mt 28,18). Ele realiza plenamente a  vocação do homem (Gn 1,28; Sal 8,6-9; Sab 9,2-3; 10,2).  
O oráculo de Jeremias sobre os 70  anos de castigo merecidos por Jerusalem e Judá (Jer 25,11-12; 29,10) é  lembrado em 2 Cron 25,20-23, que constata sua realização. Mas, no  entanto, ele é remeditado após muito tempo pelo autor de Daniel na convicção de  que esta palavra de Deus guarda ainda um sentido escondido, que deve iluminar a  situação presente (Dn 9,24-27). 
A afirmação fundamental da justiça  retributiva de Deus, que recompensa os bons e pune os maus (Sal 1,1-6;  112,1-10; Lv 26,3-33; etc.), choca-se com a experiência imediata, que  muitas vezes não corresponde a ela. A Escritura deixa, então, o protesto e a  contestação exprimirem-se com vigor (Sal 44; Jó 10,1-7; 13,3-28; 23-24) e  aprofunda progressivamente o mistério (Sal 37; Jó 38-42; Is  53; Sab 3-5). 
2. Relações entre o Antigo e Novo  Testamento 
As relações inter-textuais assumem  uma densidade extrema nos escritos do Novo Testamento, todo formado de alusões  ao Antigo Testamento e de citações explicitas. Os autores do Novo Testamento  reconhecem no Antigo um valor de revelação divina. Eles proclamam que esta  revelação encontrou sua realização na vida, no ensinamento e sobretudo na morte  e ressurreição de Jesus, fonte de perdão e de vida eterna. « Cristo morreu por  nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao  terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu... » (1 Co 15,3-5):  este é o núcleo central da pregação apostólica (1 Co 15,11). 
Como sempre, entre as Escrituras e os  acontecimentos que as realizam, as relações não são de simples correspondência  material, mas de iluminação recíproca e de progresso dialético: constata-se ao  mesmo tempo que as Escrituras revelam o sentido dos acontecimentos e que os  acontecimentos revelam o sentido das Escrituras, isto é, que eles obrigam a  renunciar a certos aspectos da interpretação recebida para adotar uma  interpretação nova. 
Desde o tempo de seu ministério  público, Jesus tinha tomado uma posição pessoal original, diferente da  interpretação recebida em sua época, que era aquela « dos escribas e dos  fariseus » (Mt 5,20). Numerosos são os testemunhos disso: as antíteses do  Sermão da montanha (Mt 5,21-48), a liberdade soberana de Jesus na  observância do sábado (Mc 2, 27-28 e paral.), sua maneira de tornar  relativos os preceitos de pureza ritual (Mc 7,1-23 e paral.), ao  contrário, sua exigência radical em outros domínios (Mt 10,2-12 e paral.;  10,17-27 e paral.) e sobretudo sua atitude de receptividade em relação « aos  publicanos e pecadores » (Mc 2,15-17 e paral.). De sua parte não era  capricho de contestador mas, ao contrário, fidelidade mais profunda à vontade de  Deus expressa na Escritura (cf Mt 5,17; 9,13; Mc 7,8-13 e paral.;  10,5-9 e paral.). 
A morte e ressurreição de Jesus  forçaram ao extremo a evolução começada, provocando em alguns pontos um  rompimento completo, ao mesmo tempo que uma abertura inesperada. A morte do  Messias, « rei dos Judeus » (Mc 15,26 e paral.), provocou uma  transformação na interpretação terrestre dos Salmos reais e dos oráculos  messiânicos. Sua ressurreição e sua glorificação celeste como Filho de Deus  deram a esses mesmos textos uma plenitude de sentido inconcebível anteriormente.  Expressões que pareciam hiperbólicas devem doravante ser tomadas ao pé da letra.  Elas aparecem como que preparadas por Deus para expressar a glória do Cristo  Jesus, pois Jesus é realmente « Senhor » (Sal 110,1) no sentido mais  forte do termo (At 2,36; Fil 2,10-11; He 1,10-12); ele é o  Filho de Deus (Sal 2,7; Mc 14,62; Rm 1,3-4), Deus com Deus  (Sal 45,7; He 1,8; Jo 1,1; 20,28); « seu reino não terá fim  » (Lc 1,32-33; cf 1 Cron 17,11-14; Sal 45,7; He 1,8)  e ele é ao mesmo tempo « sacerdote eternamente » (Sal 110,4; He  5,6-10; 7,23-24). 
Foi à luz dos acontecimentos da  Páscoa que os autores do Novo Testamento releram o Antigo Testamento. O Espírito  Santo enviado pelo Cristo glorificado (cf Jo 15,26; 16,7) os fez  descobrir nele o sentido espiritual. Foram assim conduzidos a afirmar mais do  que nunca o valor profético do Antigo Testamento, mas também a tornar fortemente  relativo seu valor de instituição salvífica. Esse segundo ponto de vista, que  aparece já nos Evangelhos (cf Mt 11,11-13 e paral.; 12,41-42 e paral.;  Jo 4,12-14; 5,37; 6,32) aparece com vigor em certas cartas paulinas assim  como na Carta aos Hebreus. Paulo e o autor da Carta aos Hebreus demonstram que a  Torá, enquanto revelação, anuncia ela mesma seu próprio fim como sistema  legislativo (cf Gal 2,15-5,1; Rm 3,20-21; 6,14; He 7,11-19;  10,8-9). Conclui-se que os pagãos que aderem à fé no Cristo não têm que ser  submetidos a todos os preceitos da legislação bíblica, doravante reduzida, em  seu conjunto, ao estatuto de instituição legal de um povo particular. Mas eles  têm que se alimentar do Antigo Testamento como Palavra de Deus, que lhes permite  de melhor descobrir todas as dimensões do mistério pascal do qual eles vivem (cf  Lc 24,25-27.44-45; Rm 1,1-2). 
No interior da Bíblia cristã as  relações entre Novo e Antigo Testamento não deixam de ser complexas. Quando se  trata da utilização de textos particulares, os autores do Novo Testamento  recorrem naturalmente aos conhecimentos e aos procedimentos de interpretação da  época deles. Exigir que se conformem aos métodos científicos modernos seria um  anacronismo. O exegeta deve antes de tudo adquirir o conhecimento dos  procedimentos antigos para poder interpretar corretamente o uso que é feito  deles. É verdade, de outro lado, que ele não deve dar um valor absoluto àquilo  que é conhecimento humano limitado. 
Convém, enfim, acrescentar que no  interior do Novo Testamento, como já no interior do Antigo, observa-se a  justaposição de perspectivas diferentes e algumas vezes em tensão umas com as  outras, por exemplo, sobre a situação de Jesus (Jo 8,29; 16,32 e  Mc 15,34) ou sobre o valor da Lei mosaica (Mt 5,17-19 e Rm  6,14) ou sobre a necessidade das obras para ser justificado (Tg 2,24 e  Rm 3,28; Ef 2,8-9). Uma das características da Bíblia é  precisamente a ausência do espírito de sistema e a presença, ao contrário, de  tensões dinamizantes. A Bíblia acolheu várias maneiras de interpretar os mesmos  acontecimentos ou de pensar os mesmos problemas. Assim ela convida a recusar o  simplismo e a estreiteza de espírito. 
3. Algumas conclusões  
Disto que foi dito pode-se concluir  que a Bíblia contém numerosas indicações e sugestões sobre a arte de  interpretar. A Bíblia é efetivamente, desde o início, ela mesma uma  interpretação. Seus textos foram reconhecidos pelas comunidades da Antiga  Aliança e do tempo apostólico como expressão válida da fé que elas tinham. É  segundo a interpretação das comunidades e em relação àquela que foram  reconhecidos como Santa Escritura (assim, por exemplo, o Cântico dos Cânticos  foi reconhecido como Santa Escritura enquanto aplicado à relação entre Deus e  Israel). No decorrer da formação da Bíblia, os escritos que a compõem foram, em  muitos casos, retrabalhados e reinterpretados para responderem a situações  novas, desconhecidas anteriormente. 
A maneira de interpretar os textos  que se manifesta na Santa Escritura sugere as seguintes observações: 
Dado que a Santa Escritura nasceu  sobre a base de um consenso de comunidades de fiéis que reconheceram em seu  texto a expressão da fé revelada, sua própria interpretação deve ser, para a fé  viva das comunidades eclesiais, fonte de consenso sobre os pontos essenciais.  
Dado que a expressão da fé, tal como  se encontrava reconhecida por todos na Santa Escritura, teve que se renovar  continuamente para fazer face a situações novas — o que explicam as « releituras  » de muitos textos bíblicos — a interpretação da Bíblia deve igualmente ter um  aspecto de criatividade e afrontar as questões novas, para respondê-las partindo  da Bíblia. 
Dado que os textos da Santa Escritura  têm algumas vezes relações de tensão entre eles, a interpretação deve  necessariamente ser múltipla. Nenhuma interpretação particular pode esgotar o  sentido do conjunto, que é uma sinfonia a várias vozes. A interpretação de um  texto particular deve assim evitar de ser exclusivista. 
A Santa Escritura está em diálogo com  as comunidades dos fiéis: ela saiu de suas tradições de fé. Seus textos se  desenvolveram em relação com essas tradições e contribuíram, reciprocamente, ao  desenvolvimento delas. Conclui-se que a interpretação da Escritura faz-se no  seio da Igreja, em sua pluralidade, em sua unidade e em sua tradição de fé.  
As tradições de fé formavam o  ambiente vital no qual inseriu-se a atividade literária dos autores da Santa  Escritura. Esta inserção compreendia também a participação à vida litúrgica e à  atividade externa das comunidades; ao mundo espiritual, à cultura e às  peripécias do destino histórico delas. Assim, de maneira semelhante, a  interpretação da Santa Escritura exige a participação dos exegetas em toda a  vida e em toda a fé da comunidade crente do tempo deles. 
O diálogo com a Santa Escritura em  seu conjunto, e, assim, com a compreensão da fé própria a épocas anteriores, é  acompanhado necessariamente de um diálogo com a geração presente. Isso provoca o  estabelecimento de uma relação de continuidade, mas também a constatação de  diferenças. Conclui-se que a interpretação da Escritura comporta um trabalho de  verificação e de triagem; ele permanece em continuidade com as tradições  exegéticas anteriores, das quais conserva e toma para si muitos elementos, mas  em outros pontos ela se separa delas para poder progredir. 
B. A interpretação na Tradição  da Igreja 
A Igreja, povo de Deus, tem  consciência de ser ajudada pelo Espírito Santo em sua compreensão e sua  interpretação das Escrituras. Os primeiros discípulos de Jesus sabiam que não  estavam à altura de compreender imediatamente em todos os seus aspectos a  totalidade do que tinham recebido. Faziam a experiência, na vida de comunidade  conduzida com perseverança, de um aprofundamento e de uma explicitação  progressiva da revelação recebida. Eles reconheciam nisso a influência e a ação  do « Espírito da verdade », que o Cristo lhes havia prometido para guiá-los em  direção à plenitude da verdade (Jo 16,12-13). É assim igualmente que a  Igreja prossegue seu caminho, sustentada pela promessa do Cristo: « O Paráclito,  o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos  recordará tudo o que eu vos disse » (Jo 14,26). 
1. Formação do Cânon  
Guiada pelo Espírito Santo à luz da  Tradição viva que ela recebeu, a Igreja discerniu os escritos que devem ser  olhados como Santa Escritura no sentido de que, « tendo sido escritos sob a  inspiração do Espírito Santo, eles têm Deus por autor, foram transmitidos como  tais à Igreja » (Dei  Verbum, 11) e contêm « a verdade que Deus, para nossa salvação, quis ver  consignada nas Letras sagradas » (ibid.). 
O discernimento de um « cânon » das  Santas Escrituras foi a conclusão de um longo processo. As comunidades da Antiga  Aliança (de grupos particulares, como os círculos proféticos ou o ambiente  sacerdotal, até o conjunto do povo) reconheceram em um certo número de textos a  Palavra de Deus que lhes suscitava a fé e os guiava na vida; elas receberam  esses textos como um patrimônio a ser guardado e transmitido. Assim, esses  textos cessaram de ser simplesmente a expressão da inspiração de autores  particulares; eles se tornaram propriedade comum do povo de Deus. O Novo  Testamento atesta sua veneração por esses textos sagrados, que ele recebe como  uma preciosa herança transmitida pelo povo judeu. Ele os olha como as «  Escrituras Santas » (Rm 1,2), inspiradas » pelo Espírito de Deus (2  Tim 3,16; cf 2 Pd 1,20- 21), que « não podem ser abolidas »  (Jo 10,35). 
A esses textos que formam o « Antigo  Testamento » (cf 2 Co 3,14), a Igreja uniu estreitamente os escritos onde  ela reconheceu, de um lado o testemunho autêntico proveniente dos apóstolos (cf  Lc 1,2; 1 Jo 1,1-3) e garantido pelo Espírito Santo (cf 1  Pd 1,12), sobre « todas as coisas que Jesus fez e ensinou » (At  1,1), e de outro lado instruções dadas pelos apóstolos mesmos e outros  discípulos para constituir a comunidade de fiéis. Esta dupla série de escritos  recebeu depois o nome de « Novo Testamento ». 
Nesse processo, numerosos fatores  tiveram um papel: a certeza de que Jesus — e os apóstolos com ele — tinha  reconhecido o Antigo Testamento como Escritura inspirada e que esta recebia sua  realização em seu mistério pascal; a convicção de que os escritos do Novo  Testamento provêm autenticamente da pregação apostólica (o que não implica que  eles tenham sido todos compostos pelos próprios apóstolos); a constatação da sua  conformidade com a regra da fé e da sua utilização na liturgia cristã; enfim, a  experiência da conformidade deles com a vida eclesial das comunidades e da  capacidade de alimentar esta vida. 
Discernindo o Cânon das Escrituras, a  Igreja discernia e definia sua própria identidade, de maneira que as Escrituras  são doravante um espelho no qual a Igreja pode constantemente redescobrir sua  identidade e verificar, século após século, a maneira com a qual ela responde  sem cessar ao Evangelho e se dispõe ela mesma a ser o meio de transmissão dele  (cf Dei  Verbum, 7). Isso confere aos escritos canônicos um valor salvífico e  teológico completamente diferente daquele de outros textos antigos. Se esses  últimos podem dar muita luz sobre as origens da fé, eles não podem jamais  substituir a autoridade dos escritos considerados como canônicos e, assim,  fundamentais para a inteligência da fé cristã. 
2. Exegese patrística  
Desde os primórdios compreendeu-se  que o mesmo Espírito Santo, que levou os autores do Novo Testamento a colocar  por escrito a mensagem da salvação (Dei  Verbum, 7, 18), traz igualmente à Igreja uma assistência continua para a  interpretação de seus escritos inspirados (cf Irineu, Adv. Haer. 3.24.1;  cf 3.1.1; 4.33.8; Orígenes, De Princ., 2.7.2; Tertuliano, De  Praescr., 22). 
Os Padres da Igreja, que tiveram um  papel particular no processo de formação do Cânon, tiveram igualmente um papel  fundador em relação à tradição viva que sem cessar acompanha e guia a leitura e  a interpretação que a Igreja faz das Escrituras (cf Providentissimus  Deus, E. B., 110-111; Divino  afflante Spiritu, 28-30, E. B., 554; Dei  Verbum, 23; PCB, Instr. de Evang. histor., 1). No decorrer da  grande Tradição, a contribuição particular da exegese patrística consiste nisto:  ela tirou do conjunto da Escritura as orientações de base que deram forma à  tradição doutrinal da Igreja e ela forneceu um rico ensinamento teológico para a  instrução e o alimento espiritual dos fiéis. 
Nos Padres da Igreja, a leitura da  Escritura e sua interpretação ocupam um lugar considerável. Testemunhas disso  são, primeiramente, as obras diretamente ligadas à inteligência das Escrituras,  isto é as homilias e os comentários, mas também as obras de controvérsia e de  teologia, onde o apelo à Escritura serve de argumento principal. 
O lugar habitual da leitura bíblica é  a igreja, no decorrer da liturgia. É por isso que a interpretação proposta é  sempre de natureza teológica, pastoral e teologal, a serviço das comunidades e  dos fiéis individuais. 
Os Padres consideram a Bíblia antes  de tudo como Livro de Deus, obra única de um único autor. Mesmo assim eles não  reduzem os autores humanos a meros instrumentos passivos e eles sabem atribuir a  um ou outro livro tomado individualmente uma finalidade singular. Mas o tipo de  abordagem deles dá apenas uma pequena atenção ao desenvolvimento histórico da  revelação. Numerosos Padres da Igreja apresentam o Logos, Verbo de Deus,  como autor do Antigo Testamento e afirmam assim que toda a Escritura tem um  alcance cristológico. 
Com exceção de certos exegetas da  Escola Antioquense (Teodoro de Mopsuesta particularmente), os Padres sentem-se  autorizados a tomar uma frase fora de seu contexto para reconhecer nela uma  verdade revelada por Deus. Na apologética diante dos Judeus ou na controvérsia  dogmática com outros teólogos eles não hesitam em se apoiar sobre interpretações  desse gênero. 
Preocupados antes de tudo em viver da  Bíblia em comunhão com seus irmãos, os Padres contentam-se muitas vezes em  utilizar o texto bíblico mais comum no meio deles. Interessando-se metodicamente  pela Bíblia hebraica, Orígenes é animado sobretudo pelo cuidado de argumentar  face aos Judeus a partir de textos aceitáveis por esses últimos. Exaltando a  hebraica veritas, são Jerônimo figura como excepção. 
Os Padres praticam de maneira mais ou  menos freqüente o método alegórico afim de dissipar o escândalo que poderia ser  provocado em certos cristãos e nos adversários pagãos do cristianismo diante de  uma ou outra passagem da Bíblia. Mas a literalidade e a historicidade dos textos  são muito raramente esvaziadas. O recurso dos Padres à alegoria ultrapassa  geralmente o fenômeno de uma adaptação ao método alegórico dos autores pagãos.  
O recurso à alegoria deriva também da  convicção de que a Bíblia, livro de Deus, foi dado por ele a seu povo, a Igreja.  Em princípio nada deve ser deixado de lado como antiquado ou definitivamente  caduco. Deus dirige uma mensagem sempre de atualidade a seu povo cristão. Em  suas explicações da Bíblia, os Padres misturam e entrelaçam as interpretações  tipológicas e alegóricas de uma maneira mais ou menos inextricável, sempre com  finalidade pastoral e pedagógica. Tudo o que está escrito o foi para nossa  instrução (cf 1 Co 10,11). 
Persuadidos de que se trata do livro  de Deus, portanto inesgotável, os Padres crêem poder interpretar uma passagem  segundo um determinado esquema alegórico, mas eles estimam que cada um permanece  livre para propor outra coisa, contanto que respeite a analogia da fé.  
A interpretação alegórica das  Escrituras, que caracteriza a exegese patrística, corre o risco de desorientar o  homem moderno, mas a experiência de Igreja que esta exegese exprime oferece uma  contribuição sempre útil (cf ,  Divino  afflante Spiritu 31-32; Dei  Verbum, 23). Os Padres ensinam a ler teologicamente a Bíblia no seio de  uma Tradição viva com um autêntico espírito cristão. 
3. Papel dos diversos membros da  Igreja na interpretação 
Enquanto dadas à Igreja, as  Escrituras são um tesouro comum do corpo completo formado pelos fiéis: « A Santa  Tradição e a Santa Escritura constituem um único depósito sagrado da Palavra de  Deus, confiado à Igreja. Ligando-se a ele, todo o povo santo unido a seus  pastores permanece assiduamente fiel ao ensinamento dos apóstolos... » (Dei  Verbum, 10; cf também 21). É bem verdade que a familiaridade com o texto  das Escrituras foi, entre c fiéis, mais notável em certas épocas da história do  que em outras Mas as Escrituras ocuparam uma posição de primeiro plano em ta dos  os momentos importantes de renovação na vida da Igreja, desde o movimento  monástico dos primeiros séculos até a época recente do Concilio Vaticano II.  
Este mesmo Concilio ensina que todos  os batizados, quando tomam parte, na fé ao Cristo, da celebração da Eucaristia,  reconhecem a presença do Cristo também em sua palavra, « pois é ele mesmo que  fala quando as Santas Escrituras são lidas na igreja (Sacrosanctum  Concilium, 7). A esta escuta da palavra eles contribuem com o « sentido  da fé (sensus fidei) que caracteriza o Povo (de Deus) inteiro. (...)  Graças a esse sentido da fé que é desperta do e sustentado pelo Espírito de  verdade, o Povo de Deus, sob direção do magistério sagrado, que ele segue  fielmente, recebe, não uma palavra humana, mas verdadeiramente a Palavra de Deu:  (cf 1 Tess 2,13). Ele se une indefectivelmente à fé transmitida ao:  santos uma vez por todas (cf Jud 3), ele a aprofunda corretamente e a  aplica à sua vida da maneira mais completa » (Lumen  gentium, 12) . 
Assim, todos os membros da Igreja têm  um papel na interpretação das Escrituras. No exercício de seus ministérios  pastorais, oi bispos, enquanto sucessores dos apóstolos, são as primeiras  testemunhas e garantias da tradição viva na qual as Escrituras sãc interpretadas  em cada época. « Iluminados pelo Espírito da verdade, devem guardar fielmente a  Palavra de Deus, explicá-la e propagá-la pela pregação » (Dei  Verbum, 9; cf Lumen  gentium, 25). Enquanto colaboradores dos bispos, os padres têm como  primeiro dever a proclamação da Palavra (Presbyterorum  ordinis, 4). Eles são dotados de um carisma particular para a  interpretação da Escritura quando, transmitindo não suas idéias pessoais mas a  Palavra de Deus, eles aplicam a verdade eterna do Evangelho às circunstâncias  concretas da vida (ibid.). Cabe aos padres e aos diáconos,  sobretudo quando eles administram os sacramentos, de colocar em evidência a  unidade que Palavra e Sacramento formam no ministério da Igreja. 
Enquanto presidentes da comunidade  eucarística e educadores da fé, os ministros da Palavra têm como tarefa  principal não apenas dar um ensinamento mas ajudar os fiéis a entender e  discernir o que a Palavra de Deus lhes diz ao coração quando eles escutam e  meditam as Escrituras. É assim que o conjunto da Igreja local, segundo o  modelo de Israel, povo de Deus (Ex 19,5-6), torna-se uma comunidade que  sabe que Deus lhe fala (cf Jo 6,45) e que se empenha em escutá-lo com fé,  amor e docilidade para com sua Palavra (Dt 6,4-6). Tais comunidades, que  escutam verdadeiramente e à condição de permanecerem sempre unidas na fé e no  amor com a Igreja inteira, tornam-se vigorosos focos de evangelização e de  diálogo, assim como agentes de transformação social (Evangelii  nuntiandi, 57-58; CDF, Instrução sobre a liberdade cristã e a  libertação, 69-70). 
O Espírito é dado também, claro, aos  cristãos individualmente, de maneira que seus corações possam tornar-se «  ardentes dentro deles » (cf Lc 24,32) quando rezam e fazem um estudo em  oração das Escrituras no contexto da vida pessoal deles. É por isso que o  Concilio Vaticano II pediu com insistência que o acesso às Escrituras seja  facilitado de todas as maneiras possíveis (Dei  Verbum, 22, 25). Esse gênero de leitura, note-se, não é nunca  completamente privado pois, aquele que crê, também lê e interpreta a Escritura  sempre na fé da Igreja e traz em seguida à comunidade o fruto de sua leitura,  para enriquecer a fé comum. 
Toda a tradição bíblica e, de uma  maneira mais notável, o ensinamento de Jesus nos Evangelhos indicam como  ouvintes privilegiados da Palavra de Deus aqueles que o mundo considera como  gente de condição humilde. Jesus reconheceu que coisas escondidas aos  sábios e doutores foram reveladas aos simples (Mt 11,25; Lc 10,21)  e que o Reino de Deus pertence àqueles que se parecem com as crianças (Mc  10,14 e paral.). 
Na mesma linha, Jesus proclamou: «  Bem aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus » (Lc  6,20; cf Mt 5,3). Entre os sinais dos tempos messiânicos encontra-se a  proclamação da boa nova aos pobres (Lc 4,18; 7,22; Mt 11,5; cf  CDF, Instrução sobre a liberdade cristã e a libertação, 47-48 ). Aqueles  que, na incapacidade e na privação de seus recursos humanos, encontram-se  forçados a colocar a única esperança deles em Deus e sua justiça, têm uma  capacidade de escutar e interpretar a Palavra de Deus que deve ser levada em  conta pela Igreja inteira e pede também uma resposta a nível social. 
Reconhecendo a diversidade de dons e  de funções que o Espírito coloca a serviço da comunidade, particularmente o dom  de ensinar (1 Co 12,28-30; Rm 12,6-7; Ef 4,11-16), a Igreja  concede sua estima àqueles que manifestam uma capacidade particular de  contribuir à construção do Corpo do Cristo pela competência que têm na  interpretação da Escritura (Divino  afflante Spiritu, 46-48, E. B., 564-565; Dei  Verbum, 23; PCB, Instrução sobre a historicidade dos Evangelhos,  Introd.). Se bem que seus trabalhos não tenham sempre obtido o encorajamento que  se lhes dá agora, os exegetas que colocam seu saber a serviço da Igreja  encontram-se situados em uma rica tradição que se estende desde os primeiros  séculos, com Orígenes e Jerônimo, até os tempos mais recentes, com o padre  Lagrange e outros, e prolonga-se até nossos dias. Particularmente a pesquisa do  sentido literal da Escritura, sobre o qual doravante insiste-se tanto, requer os  esforços conjugados daqueles que têm competências em matéria de línguas antigas,  de história e de cultura, de crítica textual e de análise de formas literárias,  e que sabem utilizar os métodos da crítica científica. Além desta atenção ao  texto em seu contexto histórico original, a Igreja confia em exegetas animados  pelo mesmo Espírito que inspirou a Escritura para assegurar que « um maior  número possível de servidores da Palavra de Deus esteja à altura de oferecer  efetivamente ao povo de Deus o alimento das Escrituras » (Divino  afflante Spiritu, 24; 53-55; E. B., 551, 567; Dei  Verbum, 23; Paulo VI, Sedula cura [1971]). Um motivo de  satisfação é dado à nossa época pelo número crescente de mulheres  exegetas, que trazem mais de uma vez à interpretação da Escritura novas  visões mais penetrantes e colocam em evidência aspectos que tinham caído no  esquecimento. 
Se as Escrituras, como se lembrou  acima, são o bem da Igreja inteira e fazem parte da « herança da fé » que todos,  pastores e fiéis, « conservam, professam e colocam em prática em um esforço  comum », é bem verdade no entanto que a « tarefa de interpretar de maneira  autêntica a Palavra de Deus, transmitida pela Escritura ou pela Tradição, foi  confiada unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade exerce-se em  nome de Jesus Cristo » (Dei  Verbum, 10). Assim, em última análise, é o Magistério que tem a tarefa  de garantir a autenticidade de interpretação e de indicar, quando ocorre, que  uma ou outra interpretação particular é incompatível com o autêntico Evangelho.  Ele desempenha encargo no interior da koinônia do Corpo, exprimindo  oficialmente a fé da Igreja para servir a Igreja; para este efeito ele consulta  teólogos, exegetas e outros expertos, dos quais reconhece a legítima liberdade e  com os quais permanece ligado por uma relação recíproca com o fim comum de «  conservar o povo de Deus na verdade que torna livre » (CDF, Instrução sobre a  vocação eclesial do teólogo, 21). 
C. A tarefa do exegeta  
A tarefa dos exegetas católicos  comporta vários aspectos. É uma tarefa de Igreja, pois ela consiste em estudar e  explicar a Santa Escritura de maneira a colocar todas as riquezas à disposição  dos pastores e dos fiéis. Mas é ao mesmo tempo uma tarefa científica que coloca  o exegeta católico em relação com seus colegas não-católicos e com vários  setores da pesquisa científica. De outro lado, esta tarefa compreende ao mesmo  tempo o trabalho de pesquisa e aquele de ensinamento. Tanto um como outro  concluem normalmente em publicações. 
1. Orientações principais  
Aplicando-se às suas tarefas, os  exegetas católicos devem levai em séria consideração o caráter histórico  da revelação bíblica. Pois os dois Testamentos exprimem em palavras humanas, que  levam a marca do tempo delas, a revelação histórica que Deus fez, por diversos  meios, dele mesmo e de seu piano de salvação. Consequentemente, os exegetas  devem se servir do método histórico-crítico. Eles não podem, no entanto,  atribuir-lhe a exclusividade. Todos o; métodos pertinentes de interpretação dos  textos são habilitados a dar sua contribuição à exegese da Bíblia. 
No trabalho de interpretação que  fazem, os exegetas católicos não devem nunca esquecer que o que eles interpretam  é a Palavra de Deus. A tarefa comum que têm não está terminada após terem  distinguido as fontes, definido as formas ou explicado os procedimentos  literários. A finalidade do trabalho deles só é atingida quando tiverem  esclarecido o sentido do texto bíblico como palavra atual de Deus. A esse efeito  devem levar em consideração as diversas perspectivas hermenêuticas que ajudam a  perceber a atualidade da mensagem bíblica e lhes permitem de responder às  necessidades dos leitores modernos das Escrituras. 
Os exegetas têm também que explicar o  alcance cristológico, canônico e eclesial dos escritos bíblicos. 
O alcance cristológico dos  textos bíblicos não é sempre evidente; deve ser colocado em evidência cada vez  que seja possível. Se bem que o Cristo tenha estabelecido a Nova Aliança em seu  sangue, os livros da Primeira Aliança não perderam seu valor. Assumidos na  proclamação do Evangelho, adquirem e manifestam seu pleno significado no «  mistério do Cristo » (Ef 3,4), do qual eles iluminam os múltiplos  aspectos ao mesmo tempo que são iluminados por ele. Esses livros, efetivamente,  preparavam o povo de Deus à sua vinda (cf Dei  Verbum, 14-16). 
Se bem que cada livro da Bíblia tenha  sido escrito com uma finalidade distinta e que tenha o seu significado  específico, ele se manifesta portador de um sentido ulterior quando se torna uma  parte do conjunto canônico. A tarefa dos exegetas inclui, então, a  explicação da afirmação agostiniana: « Novum Testamentum in Vetere latet, et in  Novo Vestus patet » (cf s. Agostinho, Quaest. in Hept., 2, 73:  CSEL 28, III, 3, p.141). 
Os exegetas devem explicar também a  relação que existe entre a Bíblia e a Igreja. A Bíblia veio à luz em comunidades  de fiéis. Ela exprime a fé de Israel e aquela das comunidades cristãs  primitivas. Unida à Tradição viva que a precedeu, a acompanha e da qual se  alimenta (cf Dei  Verbum, 21), ela é o meio privilegiado do qual Deus se serve para guiar,  ainda hoje, a construção e o crescimento da Igreja enquanto Povo de Deus.  Inseparável da dimensão eclesial está a abertura ecumênica. 
Pelo fato de que a Bíblia exprime uma  oferta de salvação apresentada por Deus a todos os homens, a tarefa dos exegetas  comporta uma dimensão universal, que requer uma atenção às outras religiões e  aos anseios do mundo atual. 
2. Pesquisa 
A tarefa exegética é vasta demais  para poder ser bem conduzida por um único indivíduo. Impõe-se uma divisão de  trabalho, especialmente para a pesquisa, que requer especialistas em  diferentes domínios. Os inconvenientes possíveis da especialização serão  evitados graças a esforços interdisciplinares. 
É muito importante para o bem da  Igreja inteira e para sua irradiação no mundo moderno que um número suficiente  de pessoas bem formadas sejam consagradas à pesquisa em diferentes setores da  ciência exegética. Preocupados com as necessidades mais imediatas do ministério,  os bispos e os superiores religiosos são muitas vezes tentados a não levar  suficientemente a sério a responsabilidade que lhes incumbe de prover a esta  necessidade fundamental. Mas uma carência neste ponto expõe a Igreja a graves  inconvenientes, pois pastores e fiéis arriscam de estarem à mercê de uma ciência  exegética estranha à Igreja e privada de relações com a vida da fé. Declarando  que « o estudo da Santa Escritura » deve ser « como a alma da teologia » (Dei  Verbum, 24), o II Concílio do Vaticano mostrou toda a importância da  pesquisa exegética. Ao mesmo tempo também lembrou implicitamente aos exegetas  católicos que suas pesquisas têm uma relação essencial com a teologia, da qual  eles devem se mostrar conscientes. 
3. Ensinamento 
A declaração do Concilio faz  igualmente compreender o papel fundamental que é dado ao ensinamento da  exegese nas Faculdades de Teologia, Seminários e Escolasticados. É evidente que  o nível dos estudos não será uniforme nestes diferentes casos. É desejável que o  ensinamento da exegese seja dado por homens e por mulheres. Mais técnico nas  Faculdades, esse ensinamento terá uma orientação mais diretamente pastoral nos  Seminários. Mas ele não poderá nunca esquecer uma dimensão intelectual séria.  Proceder de outra maneira seria faltar de respeito com a Palavra de Deus.  
Os professores de exegese devem  comunicar aos estudantes uma profunda estima pela Santa Escritura, mostrando o  quanto ela merece um estudo atento e objetivo que permita apreciar melhor seu  valor literário, histórico, social e teológico. Eles não podem se contentar em  transmitir uma série de conhecimentos a serem registrados passivamente mas devem  dar uma iniciação aos métodos exegéticos, explicando suas principais operações  para tornar os estudantes capazes de julgamento pessoal. Visto o tempo limitado  que se dispõe, convém utilizar alternativamente duas maneiras de ensinar: de um  lado, por meio de exposições sintéticas, que introduzem ao estudo de livros  bíblicos inteiros e não deixam de lado nenhum setor importante do Antigo  Testamento nem do Novo; de outro lado, por meio de análises aprofundadas de  alguns textos bem escolhidos, que sejam ao mesmo tempo uma iniciação à prática  da exegese. Tanto em um como em outro caso é preciso cuidar para não ser  unilateral, isto é, de não se limitar nem a um comentário espiritual desprovido  de base histórico-crítica, nem a um comentário histórico-crítico desprovido de  conteúdo doutrinal e espiritual (cf Divino  afflante Spiritu; E. B., 551-552; PC, De Sacra Scriptura recte  docenda, E. B., 598). O ensinamento deve mostrar ao mesmo tempo as  raízes históricas dos escritos bíblicos, o aspecto deles enquanto palavra  pessoal do Pai celeste que se dirige com amor a seus filhos (cf Dei  Verbum, 21) e o papel indispensável que têm no ministério pastoral (cf 2  Tim 3,16). 
4. Publicações 
Como fruto da pesquisa e complemento  do ensinamento, as publicações têm uma função de grande importância para  o progresso e a difusão da exegese. Em nossos dias, a publicação não se realiza  mais somente pelos textos impressos, mas também por outros meios, mais rápidos e  mais potentes (rádio, televisão, técnicas eletrônicas), dos quais convém  aprender a se servir. 
As publicações de alto nível  científico são o instrumento principal de diálogo, de discussão e de cooperação  entre os pesquisadores. Graças a elas a exegese católica pode se manter em  relação recíproca com outros ambientes da pesquisa exegética e também com o  mundo dos estudiosos em geral. 
A curto prazo, são as outras  publicações que prestam grandes serviços pois se adaptam a diversas categorias  de leitores, desde o público cultivado até às crianças dos catecismos, passando  pelos grupos bíblicos, os movimentos apostólicos e as congregações religiosas.  Os exegetas dotados para a divulgação fazem uma obra extremamente útil e  fecunda, indispensável para assegurar aos estudos exegéticos a irradiação que  devem ter. Neste setor, a necessidade de atualização da mensagem bíblica faz-se  sentir de maneira mais premente. Isso significa que os exegetas levem em  consideração as legítimas exigências das pessoas instruídas e cultas de nosso  tempo e distingüam claramente, para o bem delas, o que deve ser olhado como  detalhe secundário condicionado pela época, o que é preciso interpretar com  linguagem mítica e o que é preciso apreciar como sentido próprio, histórico e  inspirado. Os escritos bíblicos não foram compostos em linguagem moderna, nem em  estilo do século XX. As formas de expressão e os gêneros literários que eles  utilizam no texto hebreu, aramaico ou grego devem ser tornados inteligíveis aos  homens e mulheres de hoje que, de outra maneira, seriam tentatos ou a perder o  interesse pela Bíblia, ou a interpretá-la de maneira simplista: literalista ou  fantasiosa. 
Em toda a diversidade de suas  tarefas, o exegeta católico não tem outra finalidade senão o serviço da Palavra  de Deus. Sua ambição não é substituir aos textos bíblicos os resultados de seu  trabalho, que se trate de reconstituição de documentos antigos utilizados pelos  autores inspirados ou de uma apresentação moderna das últimas conclusões da  ciência exegética. Sua ambição é, ao contrário, colocar em maior evidência os  próprios textos bíblicos, ajudando a apreciá-los melhor e a compreendê-los com  sempre mais exatidão histórica e profundidade espiritual. 
D. As relações com as outras  disciplinas teológicas 
Sendo ela mesma uma disciplina  teológica, « fides quaerens intellectum », a exegese mantém relações estreitas e  complexas com as outras disciplinas da teologia. De um lado, efetivamente, a  teologia sistemática tem uma influência sobre a pré-compreensão com a qual os  exegetas abordam os textos bíblicos. Mas, de outro lado, a exegese fornece às  outras disciplinas teológicas dados que lhes são fundamentais. São  estabelecidas, então, relações de diálogo entre a exegese e as outras  disciplinas teológicas, no respeito mútuo à especificidade de cada uma delas.  
1. Teologia e pré-compreensão dos  textos bíblicos 
Quando fazem a abordagem dos escritos  bíblicos, os exegetas têm necessariamente uma pré-compreensão. No caso da  exegese católica, trata-se de uma pré-compreensão baseada nas certezas de fé: a  Bíblia é um texto inspirado por Deus e confiado à Igreja para suscitar a fé e  guiar a vida cristã. As certezas de fé não chegam aos exegetas em estado bruto,  mas depois de terem sido elaboradas na comunidade eclesial pela reflexão  teológica. Os exegetas são, assim, orientados em suas pesquisas pela reflexão  dos dogmáticos sobre a inspiração da Escritura e a função desta na vida  eclesial. 
Mas, reciprocamente, o trabalho dos  exegetas sobre os textos inspirados traz-lhes uma experiência da qual os  dogmáticos devem levar em conta para melhor elucidar a teologia da inspiração  escriturária e da interpretação eclesial da Bíblia. A exegese suscita  particularmente uma consciência mais viva e mais precisa do caráter histórico da  inspiração bíblica. Ela mostra que o processo da inspiração é histórico não  apenas porque ele teve seu lugar no decorrer da história de Israel e da Igreja  primitiva, mas também porque ele se realizou através da mediação de pessoas  humanas marcadas cada uma pela sua época e que, sob a guia do Espírito, tiveram  um papel ativo na vida do povo de Deus. 
Aliás, a afirmação teológica da  relação estreita entre Escritura inspirada e Tradição da Igreja viu-se  confirmada e precisada graças ao desenvolvimento dos estudos exegéticos, que  levou os exegetas a dar uma atenção maior à influência que teve sobre os textos  o ambiente vital onde eles se formaram (« Sitz im Leben »). 
2. Exegese e teologia dogmática  
Sem ser seu único locus  theologicus, a Santa Escritura constitui a base privilegiada dos estudos  teológicos. Para interpretar a Escritura com exatidão científica e precisão, os  teólogos necessitam do trabalho dos exegetas. De outro lado, os exegetas devem  orientar suas pesquisas de tal maneira que o « estudo da Santa Escritura » possa  efetivamente ser « como a alma da Teologia » (Dei  Verbum, 24). A este efeito, é preciso dar uma atenção particular ao  conteúdo religioso dos escritos bíblicos. 
Os exegetas podem ajudar os  dogmáticos a evitar dois extremos: de um lado o dualismo, que separa  completamente uma verdade doutrinal de sua expressão lingüística, considerada  como sem importância; de outro lado o fundamentalismo que, confundindo o humano  e o divino, considera como verdade revelada mesmo os aspectos contingentes das  expressões humanas. 
Para evitar esses dois extremos é  preciso distinguir sem separar, e assim aceitar uma tensão persistente. A  Palavra de Deus exprimiu-se na obra de autores humanos. Pensamento e palavras  são ao mesmo tempo de Deus e do homem, de maneira que tudo na Bíblia vem ao  mesmo tempo de Deus e do autor inspirado. Não se conclui, no entanto, que Deus  tenha dado um valor absoluto ao condicionamento histórico de sua mensagem. Esta  é suscetível de ser interpretada e atualizada, isto é, de ser separada, pelo  menos parcialmente, de seu condicionamento histórico passado para ser  transplantada no condicionamento histórico presente. O exegeta estabelece as  bases desta operação que o dogmático continua, levando em consideração os outros  loci theologici que contribuem ao desenvolvimento do dogma. 
3. Exegese e teologia moral  
Observações análogas podem ser feitas  sobre as relações entre exegese e teologia moral. Aos relatos concernentes à  história da salvação, a Bíblia une estreitamente múltiplas instruções sobre a  conduta a ser mantida: mandamentos, interdições, prescrições jurídicas,  exortações, invectivas proféticas, conselhos de sábios. Uma das tarefas da  exegese consiste em precisar o alcance deste abundante material e em preparar,  assim, o trabalho dos moralistas. 
Esta tarefa não é simples pois muitas  vezes os textos bíblicos não se preocupam em distinguir preceitos morais  universais, prescrições de pureza ritual e ordens jurídicas particulares. Tudo é  posto junto. De outro lado, a Bíblia reflete uma evolução moral considerável,  que encontra sua perfeição no Novo Testamento. Não é suficiente que uma certa  posição em matéria de moral seja atestada no Antigo Testamento (por exemplo, a  prática da escravidão ou do divórcio, ou aquela das exterminações em caso de  guerra), para que esta posição continue a ser válida. Um discernimento deve ser  feito, levando em conta o necessário progresso da consciência moral. Os escritos  do Antigo Testamento contêm elementos « imperfeitos e caducos » (Dei  Verbum, 15), que a pedagogia divina não podia eliminar de uma só vez. O  Novo Testamento mesmo não é fácil de interpretar no domínio da moral, pois  muitas vezes ele se exprime através de imagem, ou de maneira paradoxal, ou mesmo  provocadora, e a relação dos cristãos com a Lei judaica é objeto aqui de ásperas  controvérsias. 
Os moralistas são, assim, levados a  apresentar aos exegetas muitas questões importantes que estimularão suas  pesquisas. Em mais de um caso, a resposta poderá ser que nenhum texto bíblico  trata explicitamente do problema considerado. Mas mesmo assim o testemunho da  Bíblia, compreendido em seu vigoroso dinamismo de conjunto, não pode deixar de  ajudar a definir uma orientação fecunda. Sobre os pontos mais importantes, a  moral do Decálogo permanece fundamental. O Antigo Testamento contém já os  princípios e os valores que comandam um agir plenamente conforme à dignidade da  pessoa humana, criada « à imagem de Deus » (Gn 1,27). 0 Novo Testamento  coloca esses princípios e esses valores em grande evidência, graças à revelação  do amor de Deus no Cristo. 
4. Pontos de vista diferentes e  interação necessária 
Em seu documento de 1988 sobre a  interpretação dos dogmas, a Comissão Teológica Internacional lembrou que, nos  tempos modernos, um conflito surgiu entre a exegese e a teologia dogmática; ela  observa em seguida as contribuições da exegese moderna à teologia sistemática  (A interpretação dos dogmas, 1988, C.I, 2). Para maior precisão, é útil  acrescentar que o conflito foi provocado pela exegese liberal. Entre a exegese  católica e a teologia dogmática não houve conflito generalizado, mas apenas  momentos de forte tensão. É bem verdade, no entanto, que a tensão pode degenerar  em conflito se de um lado e de outro endurecem-se legítimas diferenças de pontos  de vista até transformá-las em oposições irredutíveis. 
Os pontos de vista, efetivamente, são  diferentes e devem sê-lo. A primeira tarefa da exegese é discernir com precisão  o sentido dos textos bíblicos no próprio contexto deles, isto é, primeiramente  no contexto literário e histórico particular desses mesmos textos e em seguida  no contexto do Cânon das Escrituras. Realizando esta tarefa, o exegeta coloca em  evidência o sentido teológico dos textos, desde que eles tenham um alcance dessa  natureza. Uma relação de continuidade é, assim, feita possível entre a exegese e  a reflexão teológica ulterior. Mas o ponto de vista não é o mesmo, pois a tarefa  da exegese é fundamentalmente histórica e descritiva e limita-se à interpretação  da Bíblia. 
O dogmático realiza uma obra mais  especulativa e mais sistemática. Por esta razão ele só se interessa  verdadeiramente por certos textos e por certos aspectos da Bíblia e, aliás, ele  leva em consideração muitos outros dados que não são bíblicos — escritos  patrísticos, definições conciliares, outros documentos do Magistério, liturgia —  assim como sistemas filosóficos e a situação cultural, social e política  contemporânea. Sua tarefa não é simplesmente interpretar a Bíblia, mas visar uma  compreensão plenamente refletida da fé cristã em todas as suas dimensões e  especialmente em sua relação decisiva com a existência humana. 
Por causa de sua orientação  especulativa e sistemática, a teologia muitas vezes cedeu à tentação de  considerar a Bíblia como um reservatório de dicta probantia destinado a  confirmar teses doutrinárias. Em nossos dias, os dogmáticos adquiriram uma viva  consciência da importância do contexto literário e histórico para a correta  interpretação dos textos antigos e eles recorrem muito mais à colaboração dos  exegetas. 
Enquanto Palavra de Deus colocada por  escrito, a Bíblia tem uma riqueza de significado que não pode ser completamente  captado nem emprisionado em nenhuma teologia sistemática. Uma das funções  principais da Bíblia é aquela de lançar sérios desafios aos sistemas teológicos  e de lembrar continuamente a existência de importantes aspectos da revelação  divina e da realidade humana que algumas vezes foram esquecidos ou  negligenciados nos esforços de reflexão sistemática. A renovação da metodologia  exegética pode contribuir a esta tomada de consciência. 
Reciprocamente, a exegese deve se  deixar iluminar pela pesquisa teológica. Esta a estimulará a apresentar aos  textos questões importantes e descobrir melhor todo o alcance e a fecundidade  deles. O estudo científico da Bíblia não pode se isolar da pesquisa teológica,  nem da experiência espiritual e do discernimento da Igreja. A exegese produz  seus melhores frutos quando ela se realiza no contexto da fé viva da comunidade  cristã, que é orientada em direção da salvação do mundo inteiro. 
Tarefa particular dos exegetas, a  interpretação da Bíblia mesmo assim não lhes pertence como um monopólio, pois na  Igreja essa interpretação apresenta aspectos que vão além da análise científica  dos textos. A Igreja, efetivamente, não considera a Bíblia simplesmente como um  conjunto de documentos históricos concernentes às suas origens; acolhe-a como  Palavra de Deus que se dirige a ela e ao mundo inteiro no tempo presente. Esta  convicção de fé tem como consequência a prática da atualização e da inculturação  da mensagem bíblica, assim como os diversos modos de utilização dos textos  inspirados, na liturgia, a « lectio divina » , o ministério pastoral e o  movimento ecumênico. 
A.  Atualização  
Já no interior da própria Bíblia —  havíamos notado no capítulo precedente — pode-se constatar a prática da  atualização: textos mais antigos foram relidos à luz de circunstâncias novas e  aplicados à situação presente do Povo de Deus. Baseada sobre as mesmas  convicções, a atualização continua necessariamente a ser praticada nas  comunidades dos fiéis. 
1. Princípios 
Os princípios que fundamentam a  prática da atualização são os seguintes: A atualização é possível, pois a  plenitude do sentido do texto bíblico dá-lhe valor para todas as épocas e todas  as culturas (cf Is 40,8; 66,18-21; Mt 28,19-20). A mensagem  bíblica pode ao mesmo tempo tornar relativos e fecundar os sistemas de valores e  as normas de comportamento de cada geração. 
A atualização é necessária, pois, se  bem que a mensagem dos textos da Bíblia tenha um valor durável, estes foram  redigidos em função de circunstâncias passadas e em uma linguagem condicionada  por diversas épocas. Para manifestar o alcance que eles têm para os homens e as  mulheres de hoje, é necessário aplicar a mensagem desses textos às  circunstâncias presentes e exprimi-la em uma linguagem adaptada à época atual.  Isso pressupõe um esforço hermenêutico que visa discernir através do  condicionamento histórico os pontos essenciais da mensagem. 
A atualização deve constantemente  levar em consideração as relações complexas que existem na Bíblia cristã entre o  Novo Testamento e o Antigo, pelo fato de que o Novo se apresenta ao mesmo tempo  como realização e ultrapassagem do Antigo. A atualização efetua-se em  conformidade com a unidade dinâmica assim constituída. 
A atualização realiza-se graças ao  dinamismo da tradição viva da comunidade de fé. Esta situa-se explicitamente no  prolongamento das comunidades onde a Escritura nasceu e foi conservada e  transmitida. Na atualização, a tradição tem um papel duplo: ela procura, de um  lado uma proteção contra as interpretações aberrantes; ela assegura de outro  lado a transmissão do dinamismo original. 
Atualização não significa assim a  manipulação dos textos. Não se trata de projetar sobre os escritos bíblicos  opiniões ou ideologias novas, mas de procurar sinceramente a luz que eles contêm  para o tempo presente. O texto da Bíblia tem autoridade em todos os tempos sobre  a Igreja cristã e, se bem que passaram-se séculos desde os tempos de sua  composição, ele conserva seu papel de guia privilegiado que não se pode  manipular. O Magistério da Igreja « não está acima da Palavra de Deus, mas ele a  serve, ensinando somente aquilo que foi transmitido; por mandato de Deus, com a  assistência do Espírito Santo, ele a escuta com amor, conserva-a santamente e  explica-a com fidelidade » (Dei  Verbum, 10). 
2. Métodos 
Partindo destes princípios, pode-se  utilizar diversos métodos de atualização. 
A atualização, já praticada no  interior da Bíblia, prosseguiu em seguida na Tradição judaica através de  procedimentos que podem ser observados nos Targumim e Midrashim: procura de  passagens paralelas (gézérah shawah), modificação na leitura do texto  ('al tiqerey), adoção de um segundo sentido (tartey mishma'), etc.  
Enquanto isso, os Padres da Igreja  serviram-se da tipologia e da alegoria para atualizar os textos bíblicos de uma  maneira adaptada à situação dos cristãos do tempo deles. 
Em nossa época, a atualização deve  levar em conta a evolução das mentalidades e o progresso dos métodos de  interpretação. 
A atualização pressupõe uma exegese  correta do texto, que determina o sentido literal dele. Se a pessoa que  atualiza não tem ela mesma uma formação exegética, deve recorrer a bons guias de  leitura que permitam de bem orientar a interpretação. 
Para bem conduzir a atualização, a  interpretação da Escritura pela Escritura é o método mais seguro e o mais  fecundo, especialmente no caso dos textos do Antigo Testamento que foram relidos  no próprio Antigo Testamento (por exemplo, o maná de Ex 16 em Sab  16,20-29) e/ou no Novo Testamento (Jo 6). A atualização de um texto  bíblico na existência cristã não pode ser feito corretamente sem se colocar em  relação com o mistério do Cristo e da Igreja. Não seria normal, por exemplo,  propor a cristãos, como modelos para uma luta de libertação, unicamente  episódios do Antigo Testamento (Êxodo; 1-2 Macabeus). 
Inspirada nas filosofias  hermenêuticas, a operação hermenêutica vem em seguida e comporta três etapas: 1)  escutar a Palavra a partir da situação presente; 2) discernir os aspectos da  situação presente que o texto bíblico ilumina ou coloca em questão; 3) tirar da  plenitude de sentido do texto bíblico os elementos suscetíveis de fazer evoluir  a situação presente de uma maneira fecunda, conforme à vontade salvífica de Deus  no Cristo. 
Graças à atualização, a Bíblia vem  iluminar inúmeros problemas atuais, por exemplo: a questão dos ministérios, a  dimensão comunitária da Igreja, a opção preferencial pelos pobres, a teologia da  libertação, a condição da mulher. A atualização pode também estar atenta a  valores cada vez mais reconhecidos pela consciência moderna como os direitos da  pessoa, a proteção da vida humana, a preservação da natureza, a aspiração à paz  universal. 
3. Limites 
Para permanecer de acordo com a  verdade salvífica expressa na Bíblia, a atualização deve respeitar certos  limites e evitar possíveis desvios. 
Se bem que toda leitura da Bíblia  seja forçosamente seletiva, as leituras tendenciosas devem ser  descartadas, isto é, aquelas que ao invés de serem dóceis ao texto só os  utilizam para fins limitados (como é o caso na atualização feita pelas seitas, a  dos Testemunhas de Jeová, por exemplo). 
A atualização perde toda validade se  ela se baseia em princípios teóricos que estão em desacordo com as  orientações fundamentais do texto da Bíblia, como por exemplo, o racionalismo  oposto à fé ou o materialismo ateu. 
É preciso eliminar também,  evidentemente, toda atualização orientada no sentido contrário à justiça e à  caridade evangélicas, as mesmas que, por exemplo, queriam basear a  segregação racial, o antisemitismo ou o sexismo, masculino ou feminino, sobre  textos bíblicos. Uma atenção especial é necessária, segundo o espírito do  Concílio Vaticano II (Nostra  aetate, 4), para evitar absolutamente de atualizar certos textos do Novo  Testamento em um sentido que poderia provocar ou reforçar atitudes desfavoráveis  em relação aos judeus. Os acontecimentos trágicos do passado devem forçar, ao  contrário, a lembrar sem cessar que segundo o Novo Testamento os judeus  permanecem « amados » por Deus, « porque os dons e a vocação de Deus são sem  arrependimento » (Rm 11,28-29). 
Os desvios serão evitados se a  atualização parte de uma correta interpretação do texto e é feita no decorrer da  Tradição viva, sob a guia do Magistério eclesial. 
De toda maneira, os riscos de desvios  não podem constituir uma objeção válida contra a realização de uma tarefa  necessária, isto é, a de fazer chegar a mensagem da Bíblia até os ouvidos e o  coração de nossa geração. 
B. Inculturação  
Ao esforço de atualização, que  permite à Bíblia de permanecer fecunda através da diversidade dos tempos,  corresponde, no que concerne a diversidade dos lugares, ao esforço de  inculturação que assegura o enraizamento da mensagem bíblica em terrenos os mais  diversos. Esta diversidade, aliás, nunca é total. Toda cultura autêntica é  portadora, à sua maneira, de valores universais fundados por Deus. 
O fundamento teológico da  inculturação é a convicção de fé que a Palavra de Deus transcende as culturas  nas quais ela foi expressa e tem a capacidade de se propagar em outras culturas,  de maneira a atingir todas as pessoas humanas no contexto cultural onde elas  vivem. Esta convicção decorre da própria Bíblia que, desde o livro do Gênesis,  toma uma orientação universal (Gn 1,27-28), a mantém em seguida na bênção  prometida a todos os povos graças a Abraão e à sua descedência (Gn 12,3;  18,18) e a confirma definitivamente estendendo a « todas as nações » a  evangelização cristã (Mt 28,18-20; Rm 4,16-17; Ef 3,6).  
A primeira etapa da inculturação  consiste em traduzir em uma outra língua a Escritura inspirada. Este  primeiro passo foi dado desde os tempos do Antigo Testamento quando se traduziu  oralmente o texto hebreu da Bíblia em aramaico (Ne 8,8.12) e, mais tarde,  por escrito em grego. Uma tradução, efetivamente, é sempre mais que uma simples  transcrição do texto original. A passagem de uma língua a uma outra comporta  necessariamente uma mudança de contexto cultural: os conceitos não são idênticos  e o alcance dos símbolos é diferente, pois eles colocam em relação com outras  tradições de pensamento e outras maneiras de viver. 
Escrito em grego, o Novo Testamento é  inteiramente marcado por um dinamismo de inculturação, pois ele transpõe na  cultura judeo-helenística a mensagem palestina de Jesus, manifestando desta  maneira uma clara vontade de ultrapassar os limites de um ambiente cultural  único. 
Etapa fundamental, a tradução dos  textos bíblicos não pode, no entanto, ser suficiente a assegurar uma verdadeira  inculturação. Esta deve continuar graças a uma interpretação que coloque  a mensagem bíblica em relação mais explícita com as maneiras de sentir, de  pensar, de viver e de se exprimir próprias à cultura local. Da interpretação  passa-se em seguida a outras etapas da inculturação que terminam na formação de  uma cultura local cristã, estendendo-se a todas as dimensões da existência  (oração, trabalho, vida social, costumes, legislação, ciências e artes, reflexão  filosófica e teológica). A Palavra de Deus é, efetivamente, uma semente que tira  da terra, onde ela se encontra, os elementos úteis ao seu crescimento e à sua  fecundidade (cf Ad  Gentes, 22). Consequentemente, os cristãos devem procurar discernir «  quais riquezas Deus, em sua generosidade, dispensou às nações; eles devem ao  mesmo tempo fazer um esforço para iluminar essas riquezas com a luz evangélica,  de libertá-las, de trazê-las sob a autoridade do Deus Salvador » (Ad  Gentes, 11). 
Não se trata, pode-se ver, de um  processo com sentido único, mas de uma « mútua fecundação » . De um lado as  riquezas contidas nas diversas culturas permitem à Palavra de Deus de produzir  novos frutos e de outro lado a luz da Palavra de Deus permite de fazer uma  triagem naquilo que trazem as culturas, para rejeitar os elementos nocivos e  favorecer o desenvolvimento dos elementos válidos. A total fidelidade à pessoa  do Cristo, ao dinamismo de seu mistério pascal e a seu amor pela Igreja faz  evitar duas soluções falsas: aquela da « adaptação » superficial da mensagem e  aquela da confusão sincretista (cf Ad  Gentes, 22). 
No Oriente e no Ocidente cristãos a  inculturação da Bíblia efetuou-se desde os primeiros séculos e manifestou uma  grande fecundidade. Não se pode, no entanto, nunca considerá-la como terminada.  Ela deve ser retomada constantemente, em relação com a continua evolução das  culturas. Nos países de evangelização mais recente, o problema coloca-se em  termos diferentes. Os missionários, efetivamente, levam necessariamente a  Palavra de Deus sob a forma na qual ela se inculturou no país de origem deles.  Grandes esforços devem ser realizados pelas novas Igrejas locais para passar  desta forma estrangeira de inculturação da Bíblia a uma outra forma, que  corresponda à cultura do próprio país. 
C. Uso da Bíblia  
1. Na liturgia 
Desde os primórdios da Igreja, a  leitura das Escrituras fez parte integrante da liturgia cristã, por um lado  herdeira da liturgia sinagogal. Hoje ainda, é principalmente pela liturgia que  os cristãos entram em contato com as Escrituras, particularmente durante a  celebração eucarística do domingo. 
Em princípio, a liturgia, e  especialmente a liturgia sacramental, onde a celebração eucarística constitui o  grau máximo, realiza a atualização mais perfeita dos textos bíblicos, pois ela  situa a proclamação no meio da comunidade dos fiéis reunida em torno de Cristo a  fim de se aproximar de Deus. Cristo é então « presente em sua palavra, pois é  ele mesmo quem fala quando as Santas Escrituras são lidas na igreja » (Sacrosanctum  Concilium, 7). O texto escrito volta assim a ser palavra viva.  
A reforma litúrgica decidida pelo  Concilio Vaticano II esforçou-se em apresentar aos católicos um alimento bíblico  mais rico. Os três ciclos de leituras das missas dominicais dão um lugar  privilegiado aos Evangelhos, de maneira a colocar bem em evidência o mistério de  Cristo como princípio de nossa salvação. Colocando regularmente um texto do  Antigo Testamento em relação com o texto do Evangelho, este ciclo muitas vezes  sugere o caminho da tipologia para a interpretação escriturária. Esta, sabe-se,  não é a única leitura possível. 
A homilia, que atualiza mais  explicitamente a Palavra de Deus, faz parte integrante da liturgia. Falaremos  mais adiante a propósito do ministério pastoral. 
O lecionário, saído das diretivas do  Concilio (Sacrosanctum  Concilium, 35), deveria permitir uma leitura da Santa Escritura « mais  abundante, mais variada e mais adaptada ». Em seu estado atual ele responde  somente em parte a esta orientação. No entanto, sua existência teve felizes  efeitos ecumênicos. Em alguns países ele mediu a falta de familiaridade dos  católicos com a Escritura. 
A liturgia da Palavra é um elemento  decisivo na celebração de cada um dos sacramentos da Igreja; ela não consiste em  uma simples sucessão de leituras, pois deve comportar igualmente tempos de  silêncio e de oração. Esta liturgia, em particular a Liturgia das Horas, recorre  ao livro dos Salmos para colocar em oração a comunidade cristã. Hinos e orações  são todos impregnados da linguagem bíblica e de seu simbolismo. Isto para dizer  o quanto é necessário que a participação à liturgia seja preparada e acompanhada  por uma prática da leitura da Escritura. 
Se nas leituras « Deus dirige a  palavra a seu povo » (Missal romano, n. 33), a liturgia da Palavra exige  um grande cuidado tanto para a proclamação das leituras como para a  interpretação delas. Assim, é desejável que a formação dos futuros presidentes  de assembléias e daqueles que os circundam leve em conta as exigências de uma  liturgia da Palavra de Deus fortemente renovada. Assim, graças aos esforços de  todos, a Igreja continuará a missão que lhe foi confiada « de tomar o pão da  vida sobre a mesa da Palavra de Deus bem como sobre a mesa do Corpo do Cristo  para oferecê-lo aos fiéis» (Dei  Verbum, 21). 
2. A lectio divina 
A lectio divina é uma leitura,  individual ou comunitária, de uma passagem mais ou menos longa da Escritura  acolhida como Palavra de Deus e que se desenvolve sob a moção do Espírito em  meditação, oração e contemplação. 
O cuidado de se fazer uma leitura  regular, e mesmo cotidiana, da Escritura corresponde a uma prática antiga na  Igreja. Como prática coletiva, ela é atestada no século III, na época de  Orígenes; este fazia a homilia a partir de um texto da Escritura lido  continuadamente durante a semana. Havia então assembléias cotidianas consagradas  à leitura e à explicação da Escritura. Esta prática, que foi abandonada  posteriormente, não encontrava sempre um grande sucesso junto aos cristãos  (Orígenes, Hom. Gen. X,1). 
A lectio divina como prática  sobretudo individual é atestada no ambiente monástico em seu auge. No período  contemporâneo, uma Instrução da Comissão Bíblica aprovada pelo papa Pio XII  recomendou-a a todos os clérigos, tanto seculares como regulares (De  Scriptura Sacra, 1950; E. B., 592). A insistência sobre a lectio  divina sob seu duplo aspecto, individual e comunitário, voltou assim a ser  atual. A finalidade que se procura é a de suscitar e de alimentar « um amor  efetivo e constante » à Santa Escritura, fonte de vida interior e de fecundidade  apostólica (E. B., 591 e 567), de favorecer também uma melhor  inteligência da liturgia e de assegurar à Bíblia um lugar mais importante nos  estudos teológicos e na oração. 
A Constituição conciliar Dei  Verbum (n. 25) insiste igualmente sobre a leitura assídua das Escrituras  para os padres e religiosos. Além disso — e é uma novidade — ela convida também  « todos os fiéis do Cristo » a adquirir « por uma frequente leitura das  Escrituras divinas "a eminente ciência de Jesus Cristo" (Fil 3,8) ».  Diversos meios são propostos. Ao lado de uma leitura individual é sugerida uma  leitura em grupo. O texto conciliar sublinha que a oração deve acompanhar a  leitura da Escritura, pois ela é a resposta à Palavra de Deus encontrada na  Escritura sob a inspiração do Espírito. Numerosas iniciativas foram tomadas no  povo cristão para uma leitura comunitária e só se pode encorajar esse desejo de  um melhor conhecimento de Deus e de seu plano de salvação em Jesus Cristo  através das Escrituras. 
3. No ministério pastoral  
Recomendado pela Dei  Verbum (n. 24), o freqüente recurso à Bíblia no ministério pastoral toma  diversas formas dependendo do gênero de hermenêutica da qual se servem os  pastores e que os fiéis podem compreender. Pode-se distinguir três situações  principais: a catequese, a pregação e o apostolado bíblico. Numerosos fatores  intervêm, no que se refere ao nível geral de vida cristã. 
A explicação da Palavra de Deus na  catequese — Sacros. Conc., 35; Direct. catéch. gén., 1971, 16 —  tem como primeira fonte a Santa Escritura que, explicada no contexto da  Tradição, fornece o ponto de partida, o fundamento e a norma de ensinamento  catequético. Uma das finalidades da catequese deveria ser a de introduzir a uma  justa compreensão da Bíblia e à sua leitura frutuosa, que permitam descobrir a  verdade divina que ela contém e que suscitem uma resposta, a mais generosa  possível, à mensagem que Deus dirige por sua palavra à humanidade. 
A catequese deve partir do contexto  histórico da revelação divina para apresentar personagens e acontecimentos do  Antigo e do Novo Testamento à luz do plano de Deus. 
Para passar do texto bíblico ao suo  significado de salvação para o tempo presente, utiliza-se hermenêuticas variadas  que inspiram diversos gêneros de comentários. A fecundidade da catequese depende  do valor da hermenêutica empregada. O perigo consiste em se contentar de um  comentário superficial que permaneça em uma consideração cronológica sobre a  sucessão dos acontecimentos e dos personagens da Bíblia. 
A catequese pode evidentemente  explorar apenas uma pequena parte dos textos bíblicos. Geralmente ela utiliza  sobretudo os relatos, tanto no Novo como no Antigo Testamento. Ela insiste sobre  o Decálogo. Ela deve cuidar em empregar igualmente os oráculos dos profetas, o  ensinamento sapiencial e os grandes discursos evangélicos como o Sermão da  montanha. 
A apresentação dos Evangelhos deve  ser feita de maneira a provocar um encontro com o Cristo, que dá a chave de toda  a revelação bíblica e transmite o apelo de Deus, ao qual cada um deve responder.  A palavra dos profetas e aquela dos « ministros da Palavra » (Lc 1,2)  devem aparecer como dirigidas agora aos cristãos. 
Observações análogas aplicam-se ao  ministério da pregação, que deve tirar dos textos antigos um alimento  espiritual adaptado às necessidades atuais da comunidade cristã. 
Atualmente esse ministério exerce-se  sobretudo no fim da primeira parte da celebração eucarística, pela homilia que  segue à proclamação da Palavra de Deus. 
A explicação que se dá dos textos  bíblicos no decorrer da homilia não pode entrar em muitos detalhes. Convém,  então, colocar em evidência as contribuições principais desses textos, aqueles  que são os mais esclarecedores para a fé e os mais estimulantes para o progresso  da vida cristã, comunitária ou pessoal. Apresentando essas contribuições, é  preciso fazer uma atualização e uma inculturação, segundo o que foi dito acima.  A este efeito são necessários princípios hermenêuticos válidos. Uma falta de  preparação neste domínio provoca uma tentativa de renúncia a um aprofundamento  das leituras bíblicas e contenta-se em moralizar ou em falar de questões atuais  sem iluminá-las pela Palavra de Deus. 
Em diversos países, publicações foram  feitas com o auxílio de exegetas para ajudar os responsáveis pastorais a  interpretar corretamente as leituras bíblicas da liturgia e a atualizá-las de  maneira válida. É desejável que esforços semelhantes sejam generalizados.  
Uma insistência unilateral sobre as  obrigações que se impõem aos fiéis deve seguramente ser evitada. A mensagem  bíblica deve conservar seu caráter principal de boa nova da salvação oferecida  por Deus. A pregação fará trabalho mais útil e mais conforme à Bíblia se ele  ajudar primeiramente os fiéis a « conhecer o dom de Deus » (Jo 4,10), tal  como ele é revelado na Escritura, e a compreender de maneira positiva as  exigências que decorrem disso. 
O apostolado bíblico tem como  objetivo fazer conhecer a Bíblia como Palavra de Deus e fonte de vida. Em  primeiro lugar ele favorece a tradução da Bíblia nas línguas mais diversas e a  difusão dessas traduções. Ele suscita e sustenta numerosas iniciativas: formação  de grupos bíblicos, conferências sobre a Bíblia, semanas bíblicas, publicação de  revistas e de livros, etc. 
Uma importante contribuição é trazida  por associações e movimentos eclesiais, que colocam em primeiro plano a leitura  da Bíblia em uma perspectiva de fé e de engajamento cristão. Numerosas «  comunidades de base » centralizam suas reuniões sobre a Bíblia e se propõem um  triplo objetivo: conhecer a Bíblia, construir a comunidade e servir o povo. Aqui  também a ajuda de exegetas é útil para evitar atualizações mal fundadas. Mas  deve-se alegrar em ver a Bíblia tomada por mãos de gente humilde, dos pobres,  que podem trazer à sua interpretação e à sua atualização uma luz mais penetrante  do ponto de vista espiritual e existencial do que aquela que vem de uma ciência  segura dela mesma (cf Mt 11,25). 
A importância sempre crescente dos  meios de comunicação de massa (« mass-media »), imprensa, rádio, televisão,  exige que o anúncio da Palavra de Deus e o conhecimento da Bíblia sejam  propagados ativamente por estes meios. Seus aspectos bem particulares e, de  outro lado, a influência sobre públicos muito vastos, requerem para a utilização  desses meios uma preparação específica que permita evitar as improvisações  lamentáveis assim como os efeitos espetaculares de má qualidade. 
Que se trate de catequese, de  pregação ou de apostolado bíblico, o texto da Bíblia deve sempre ser apresentado  com o respeito que ele merece. 
4. No ecumenismo 
Se o ecumenismo, enquanto movimento  específico e organizado, é relativamente recente, a idéia de unidade do povo de  Deus, que esse movimento se propõe de restaurar, é profundamente enraizado na  Escritura. Tal objetivo era a preocupação constante do Senhor (Jo 10,16;  17,11.20-23). Ele supõe a união dos cristãos na fé, na esperança e na caridade  (Ef 4,2-5), no respeito mútuo (Fil 2,1-5) e a solidariedade (1  Co 12,14-27; Rm 12,4-5) mas também e sobretudo a união orgânica ao  Cristo, à maneira dos sarmentos e da vinha (Jo 15,4-5), dos membros e da  cabeça (Ef 1,22-23; 4,12-16). Esta união deve ser perfeita, à imagem  daquela do Pai e do Filho (Jo 17,11.22); a Escritura define seu  fundamento teológico (Ef 4,4-6; Gal 3,27-28). A primeira  comunidade apostólica é um modelo concreto e vivo dessa união (At 2,44;  4,32). 
A maior parte dos problemas que  enfrenta o diálogo ecumênico tem relação com a interpretação de textos bíblicos.  Alguns desses problemas são de ordem teológica: a escatologia, a estrutura da  Igreja, o primado e a colegialidade, o casamento e o divórcio, a atribuição do  sacerdócio ministerial às mulheres, etc. Outros são de ordem canônica e  jurisdicional; eles concernem à administração da Igreja universal e das Igrejas  locais. Outros, enfim, são de ordem estritamente bíblica: a lista dos livros  canônicos, algumas questões hermenêuticas, etc. 
Se bem que ela não possa ter a  pretensão de resolver sozinha todos esses problemas, a exegese bíblica é chamada  a trazer ao ecumenismo uma importante contribuição. Progressos notáveis já foram  realizados. Graças à adoção dos mesmos métodos e de metas hermenêuticas  análogas, os exegetas de diversas confissões cristãs chegaram a uma grande  convergência na interpretação das Escrituras, como o mostram o texto e as notas  de diversas traduções ecumênicas da Bíblia, assim como em outras publicações.  
Deve-se reconhecer, aliás, que em  pontos particulares as divergências na interpretação das Escrituras são muitas  vezes estimulantes e podem se revelar complementares e enriquecedoras. É o caso  quando elas exprimem os valores das tradições particulares de diversas  comunidades cristãs e traduzem assim os múltiplos aspectos do Mistério de  Cristo. 
Como a Bíblia é a base comum da regra  de fé, o imperativo ecumênico comporta para todos os cristãos um apelo premente  a reler os textos inspirados na docilidade ao Espírito Santo, na caridade, na  sinceridade, na humildade, a meditar esses textos e a vivê-los de maneira a  chegar à conversão do coração e à santidade de vida, as quais, unidas à oração  para a unidade dos cristãos, são a alma de todo o movimento ecumênico (cf.  Unitatis redintegratio, 8). Seria preciso para isso tornar acessível ao  maior número possível de cristãos a aquisição da Bíblia, encorajar as traduções  ecumênicas — pois um texto comum ajuda uma leitura e uma compreensão comuns —  promover grupos de oração ecumênicos afim de contribuir com um testemunho  autêntico e vivo à realização da unidade na diversidade (cf Rm  12,4-5).
Do que foi dito no decorrer desta  longa exposição — que no entanto continua breve demais sobre vários pontos — a  primeira conclusão que se salienta é que a exegese bíblica preenche, na Igreja e  no mundo, uma tarefa indispensável. Querer se dispensar dela para  compreender a Bíblia seria ilusão e manifestaria urna falta de respeito para com  a Escritura inspirada. 
Pretendendo reduzir os exegetas ao  papel de tradutores (ou ignorando que traduzir a Bíblia já é fazer obra de  exegese) e recusando de segui-los em seus estudos, os fundamentalistas não se  dão conta de que, por um louvável cuidado de inteira fidelidade à Palavra de  Deus, em realidade eles entram em caminhos que os afastam do sentido exato dos  textos bíblicos assim como da plena aceitação das consequências da Encarnação. A  Palavra eterna encarnou-se em uma época precisa da história, em um ambiente  social e cultural bem determinado. Quem deseja entendê-la deve humildemente  procurá-la lá onde ela se tornou perceptível, aceitando a ajuda necessária do  saber humano. Para falar aos homens e às mulheres, desde a época do Antigo  Testamento, Deus explorou todas as possibilidades da linguagem humana, mas ao  mesmo tempo ele teve também que submeter sua palavra a todos os condicionamentos  dessa linguagem. O verdadeiro respeito pela Escritura inspirada exige que sejam  realizados todos os esforços necessários para que se possa compreender bem seu  sentido. Seguramente não é possível que cada cristão faça pessoalmente as  pesquisas de todos os gêneros que permitam compreender melhor os textos  bíblicos. Esta tarefa é confiada aos exegetas, responsáveis nesse setor pelo bem  de todos. 
Uma segunda conclusão é que a  natureza mesma dos textos bíblicos exige que para interpretá-los, continue-se o  emprego do método histórico-crítico, ao menos em suas operações  principais. A Bíblia, efetivamente, não se apresenta como uma revelação direta  de verdades atemporais, mas como a atestação escrita de uma série de  intervenções pelas quais Deus se revela na história humana. A diferença de  doutrinas sagradas de outras religiões, a mensagem bíblica é solidamente  enraizada na história. Conclui-se que os escritos bíblicos não podem ser  corretamente compreendidos sem um exame de seu condicionamento histórico. As  pesquisas « diacrônicas » serão sempre indispensáveis à exegese. Qualquer que  seja o interesse das abordagens « sincrônicas », elas não estão à altura de  substitui-las. Para funcionar de maneira fecunda, estas devem primeiramente  aceitar as conclusões das outras, pelo menos em suas grandes linhas. 
Mas, uma vez preenchida esta  condição, as abordagens sincrônicas (retórica, narrativa, semiótica e outras)  são suscetíveis de renovar em parte a exegese e de dar uma contribuição muito  útil. O método histórico-crítico, efetivamente, não pode pretender o monopólio.  Ele deve ser consciente de seus limites, assim como dos perigos que o  espreitam. Os desenvolvimentos recentes das hermenêuticas filosóficas e, de  outro lado, as observações que pudemos fazer sobre a interpretação na Tradição  Bíblica e na Tradição da Igreja colocaram em evidência vários aspectos do  problema da interpretação que o método histórico-crítico tinha tendência a  ignorar. Preocupado, efetivamente, em bem fixar o sentido dos textos,  situando-os no contexto histórico original deles, este método mostra-se algumas  vezes insuficientemente atento ao aspecto dinâmico do significado e às  possibilidades de desenvolvimento do sentido. Quando ele não vai até o estudo da  redação, mas se absorve unicamente nos problemas de fontes e de estratificação  dos textos, ele não preenche completamente a tarefa exegética. 
Por fidelidade à grande Tradição, da  qual a própria Bíblia é testemunha, a exegese católica deve evitar tanto quanto  possível esse gênero de deformação profissional e manter sua identidade de  disciplina teológica, cuja finalidade principal é o aprofundamento da fé.  Isso não significa ter um compromisso menor com uma pesquisa científica mais  rigorosa, nem a deformaçãos dos métodos por preocupações apologéticas. Cada  setor da pesquisa (crítica textual, estudos linguísticos, análises literárias,  etc.) tem suas próprias regras, que é preciso seguir com toda autonomia. Mas  nenhuma dessas especialidades é uma finalidade em si mesma. Na organização de  conjunto da tarefa exegética, a orientação em direção à finalidade principal  deve permanecer efetiva e evitar os desperdícios de energia. A exegese católica  não tem o direito de se parecer com um curso d'água que se perde nas areias de  uma análise hiper-crítica. Ela deve preencher na Igreja e no mundo uma função  vital, isto é, de contribuir a uma transmissão mais autêntica do conteúdo da  Escritura inspirada. 
É bem a esta finalidade que tendem  desde já seus esforços, em ligação com a renovação das outras disciplinas  teológicas e com o trabalho pastoral de atualização e de inculturação da Palavra  de Deus. Examinando a problemática atual e exprimindo algumas reflexões a esse  respeito, a presente exposição espera ter facilitado a todos uma tomada de  consciência mais clara do papel dos exegetas católicos. 
Roma, 15 de Abril de  1993.
Notas
(1) Por « método » exegético compreendemos um conjunto de  procedimentos científicos colocados em ação para explicar os textos. Falamos de  « abordagem », quando se trata de uma pesquisa orientada segundo um ponto de  vista particular. 
(2) O texto desta última alínea foi escolhido por 11 votos  favoráveis entre 19 votantes; 4 votaram contra e 4 se abstiveram. Os oponentes  pediram que o resultado da votação fosse publicado com o texto. A Comissão  comprometeu-se em fazê-lo. 
(3) A hermenêutica da Palavra desenvolvida por Gerhard Ebeling  e Ernst Fuchs parte de uma outra abordagem e depende de um outro campo de  pensamento. Trata-se mais de uma teologia hermenêutica do que uma filosofia  hermenêutica. Ebeling está de acordo, no entanto, com autores tais como Bultmann  e Ricoeur para afirmar que a Palavra de Deus só acha plenamente seu sentido  quando encontra aqueles aos quais ela se dirige.
 
CF.:http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html
ResponderEliminarBÍBLIA
ResponderEliminar. Nome dado ao conjunto dos livros inspirados do AT e do NT, originariamente escritos em hebraico, aramaico e grego. O termo vem do grego tá Biblia, “os livros”. Estes livros são o patrimônio espiritual do judaísmo e das igrejas cristãs.
A Bíblia foi escrita ao longo de mil anos, mas sua inspiração é atestada só pelo final do I século, em 2Tm 3,16s e 2Pd 1,21. Mas bem cedo se recomendava sua leitura (Ex 24,7; Dt 17,19; Js 1,8; Is 34,16; Jo 5,39; At 8,28; Rm 15,4; 2Cor 1,13; Ef 3,3s). Sendo um livro inspirado, deve ser lido com piedade e humildade (Eclo 32,15; Mt 11,15; 13,11; 1Cor 2,12- 14; 2Tm 3,7.16). Sendo um livro antigo, escrito por um povo de cultura diferente da nossa, que trata dos planos de Deus a respeito dos homens, a Bíblia carece de interpretação (Sb 9,16-18; Mt 13,11; Mc 4,34; Lc 24,45; At 8,30s; 1Cor 12,30; 2Pd 1,20; 3,15s. Sendo um livro assumido pela Igreja como fonte de revelação, necessita também de sua interpretação oficial (Ml 2,7; Mt 16,18; 28,19s; Lc 10,16; Jo 14,16.26; 16,13; 20,22s; Ef 2,20; 1Tm 3,13). Ver “Revelação”e “Como ler a Bíblia com proveito”, Introdução Geral desta Bíblia.
Embora a Bíblia seja um livro bem antigo, é digno de nota que muitos manuscritos antigos da Bíblia a comprovam. Existem literalmente milhares destes manuscritos antigos em bibliotecas e em coleções particulares em todo o mundo. Provam que a Bíblia atual tem suportado as devastações do tempo e tem sido copiada e transmitida com exatidão até os nossos dias.
ResponderEliminarIsto pode ser verificado. Por exemplo, o bem antigo Instituto de Estudos Textuais do Novo Testamento, da Alemanha, tornou disponível para estudos científicos, quer em microfilme, quer em forma de gravura, cerca de 95 por cento de seus aproximadamente 5.300 manuscritos do Novo Testamento. Deste modo, pode mostrar ao visitante interessado, quer um leigo, quer um perito científico — sob orientação de peritos — a precisão com que foi transmitido o texto da Bíblia até o nosso século XXI. O intervalo entre a época em que o Novo Testamento foi redigido originalmente, e a escrita dos mais antigos manuscritos de papiro em existência é curtíssimo, não sendo superior a 25 anos.
A Bíblia, assim, pode aspirar ser muito mais fidedigna em sua transmissão textual do que outros escritos dos tempos antigos. Em seu livro Das Buch der Bücher (O Livro dos Livros), página 3, Karl Ringshausen escreve:
ResponderEliminar“Júlio César escreveu seus Comentários sobre a Guerra aos Gauleses no ano 52 antes de Cristo. Contudo, as mais antigas cópias existentes, escritas mais tarde por outra pessoa, datam do nono século depois de Cristo. O filósofo grego, Platão, viveu de 427 a 347 antes de Cristo; a cópia mais antiga que dispomos de suas obras filosóficas data de 895 depois de Cristo. Há um lapso de quase mil anos ou mais, em geral, entre a primeira escrita, a escrita original, dos livros antigos, e suas mais antigas cópias existentes.”
Quão diferente é a Bíblia destas obras dos homens que foram escritas bem mais recentemente! Embora seja mais antiga, a sua exatidão textual a coloca numa classe exclusiva. Como foi que isto aconteceu? Como foi possível dar-se a transmissão da Bíblia por um período muito mais longo, e, ainda assim, com tamanha exatidão que podemos estar seguros da autenticidade de sua atual forma?
ResponderEliminarPrimeiro, a maioria dos que copiaram a Bíblia, ou que ajudaram a copiá-la, nutriam grande respeito por ela e por seu Autor Divino. Sabe-se que os massoretas (um grupo de peritos bíblicos judaicos, que viveram entre os séculos VI e X EC) contavam meticulosamente cada letra de per si do texto da Bíblia, de modo a evitar cometer qualquer erro ou até mesmo omitir uma única letra sequer dos Escritos Sagrados. Este método fidedigno pode já ter sido usado até mesmo bem antes da época deles, a fim de evitar erros ao se copiar a Bíblia. Foi possivelmente com referência a este hábito dos copistas que Jesus disse, em seu Sermão do Monte: “Antes passariam o céu e a terra, do que passaria uma só letra menor ou uma só partícula duma letra da Lei sem que tudo se cumprisse.” — Mateus 5:18.
Este esforço, por parte dos copistas, de preservar a pureza e a exatidão do texto bíblico explica por que os Rolos do Mar Morto, do primeiro e segundo séculos AEC, contendo, entre outras coisas, o inteiro livro de Isaías, são quase que exatamente iguais ao texto que temos presentemente.
Segundo, a maioria destes peritos e copistas estava unicamente interessada no que se achava envolvido — na transmissão do texto sagrado — e não em obter algum crédito para si. Efetivamente, estes homens não raro sacrificaram a honra pessoal, os bens, a saúde, e até a própria vida, para certificar-se de que os manuscritos fossem corretamente copiados ou colocados em mãos de peritos que os utilizassem para ajudar a preservar o texto da Bíblia.
Constantino von Tischendorf, por exemplo, dispôs-se a enfrentar os riscos do deserto e de uma viagem através do ermo, em meados do século 19, a fim de obter um dos mais fidedignos manuscritos bíblicos do 4.° século. Já o tinha descoberto antes numa cesta de papéis a serem jogados fora, no mosteiro de Sta. Catarina, no monte Sinai.
Terceiro, muitos dos indivíduos tão intensamente interessados em transmitir com exatidão o texto da Bíblia sentiam grande amor pela Palavra de Deus. Como um escritor dos Salmos, deleitavam-se na Palavra de Deus e regozijavam-se em tornar disponível a outros o texto bíblico. — Salmo 1:1, 2.
Quarto, e o mais importante, não se deve desperceber que o Autor Divino da Bíblia inspirou a escrita original das Santas Escrituras. Forneceu aos homens que trabalhavam na Bíblia a ajuda decisiva de que precisavam para escrever as coisas que têm suscitado no homem as emoções mais profundas, e que têm ajudado a “endireitar as coisas” para ele. (2 Timóteo 3:16, 17) É lógico que Ele supervisionaria a transmissão fiel de sua Palavra até os nossos dias.