A propósito da entrevista do Mons. Valentí M. Grau, presidente do Instituto Pontifício de Música Sacra, publicada pela ZENIT, sob o título:
“O CANTO GREGORIANO DEVERIA RETORNAR”
A antiga e sábia expressão da Igreja “LEX ORANDI, LEX CREDENDI,” [“reza-se como se crê”] durante séculos provou a íntima e profunda conexão entre a FÉ e a ORAÇÃO, ou seja, entre a teoria e a prática da religião, como duas ogivas se auto-sustentando em seus vértices.
Durante séculos e séculos tal expressão foi aplicada especialmente em relação à MISSA, em que a FÉ se resumia na essência da própria Missa ― “renovação do Sacrifício do Calvário” ― e a ORAÇÃO se concretizava na LITURGIA, ou seja, no conjunto formado pelo ritual, língua e música, que a acompanhavam. Dessa forma, tudo contribuía de modo especial à grandeza, seriedade e respeito daquela verdade de FÉ! Tudo!...
O ritual, por exemplo, incluindo os paramentos, movimentos e gestos do sacerdote celebrante, bem como os dos acólitos e dos fiéis, ressaltava a grandeza, a seriedade e o respeito devidos à FÉ daquela comemoração litúrgica: a “renovação do Sacrifício do Calvário”. E a música, representada pelo canto Gregoriano, acentuava a magnitude daquele ato único, como ondas de orações, ora se elevando ao mais alto dos céus... ora descendo e resvalando a terra como graças derramadas por Deus nos fiéis. Tudo no gregoriano lembrava a “LEX CREDENDI” e de tal forma que, parodiando aquela expressão, ousamos dizer: “LEX CREDENDI, LEX CANTANDI” ! ― “Como se crê, se canta”!
E assim, de fato, era desde a entrada do sacerdote celebrante, em que ele, respeitoso, permanecia parado ao pé do altar, como ao pé do Calvário, voltado a Deus, figurando três personagens diferentes ― representante de Deus, ministro da Igreja e representante dos fiéis: e homem pecador, como qualquer homem ― pronunciando: “In nomine Patris et Filii, et Spiritui Sancti. Amém. Introibo ad altare Dei”... até a benção final seguida do “Ite Missa est”.
A foto (abaixo), de missa simples daquela época, em seu silêncio, revela a grandeza e a seriedade correspondente à FÉ que estava sendo celebrada: “a renovação do Sacrifício do Calvário”, retratando o momento em que o sacerdote celebrante, in persona Christi, pronunciava as palavras da Consagração. E consagração “silenciosa” porque, assim como no instante supremo em que Nosso Senhor expirou se fez silêncio no Calvário, assim também no instante supremo da Missa ― na CONSAGRAÇÂO ― se fazia um silêncio respeitoso na igreja, refletindo o ‘silêncio’ da alma, sem palavras diante do grandioso e misericordioso milagre da TRANSUBSTANCIAÇÃO, silêncio de adoração, de súplica, de propiciação e de ação de graças, pela infinita misericórdia de Deus ao nos entregar o Seu Filho Unigênito para a salvação das nossas almas.
Pode haver no mundo momento mais sublime que este?... Algo superior a isto? Qual deve ser a atitude do celebrante e dos fiéis diante de tal milagre, senão de uma silenciosa e profunda veneração e agradecimento a Deus pelo que Ele nos dá? Para isto foram erguidas catedrais, igrejas e capelas no mundo todo!
E havia cânticos respeitando “a ordem das coisas e que o povo cantava o que devia cantar, e o resto” se reservava ao coral, “ao cantor, ao salmista e evidentemente ao celebrante” conforme declarou Mons. Valenti Miserachs Grau, presidente do Instituto Pontifício de Música Sacra, em recente entrevista publicada pela ZENIT («O canto gregoriano deveria regressar» - 19 /12/ 2005 ).
Mas...eis que, no final do século XIX e início do século XX, esgueirando-se silenciosamente por corredores de certos sombrias abadias da Europa, e se alimentando da heresia modernista segundo a qual o “homem tem uma semente divina”, surge o movimento litúrgico que afirmava ser o povo, a assembléia ― hoje a “comunidade” ― quem realmente celebra a Missa, e não o sacerdote, cuja função se restringe somente em “presidir” a celebração. Assim, começaram a se fazer certas “experiências litúrgicas” em que já se notavam algumas modificações assumidas, posteriormente, pela reforma litúrgica pós conciliar, como por exemplo:
1 – Mesa substituindo o altar ― ou seja, a idéia de “CEIA” no lugar de “SACRIFÍCIO” ― localizada no meio da “assembléia” (hoje “comunidade”) que a rodeava formando um círculo. (Recentemente o pároco da igreja de S. Bonifácio, no Bairro da Vila Mariana, em S. Paulo, dispôs os bancos ao redor da MESA, eliminando os genuflexórios...).
2 – O “Presidente da assembléia” voltado ao povo. Claro!... Como a “CEIA”, a “EUCARISTIA” é celebrada pelo povo, sendo só presidida pelo sacerdote, este volta-se para comunidade....não sendo mais necessário o padre voltar-se para Deus. Como se o povo fosse Deus!...
O padre é laicizado (rebaixado à condição de leigo) e os fiéis são ‘elevados ao sacerdócio’: o povo passa a exercer funções antes atribuídas somente ao sacerdote, ou permitidas a leigos somente em casos extremamente excepcionais. Assim, após a reforma da liturgia, o que antes era exceção para os leigos, virou regra absoluta, como, por exemplo, distribuir a comunhão, dar a comunhão nas mãos dos fiéis ― que devem recebê-la em pé, não mais ajoelhados ― levar o Viático a enfermos, etc. E etc...
4 – O vernáculo substitui o Latim: pois, como a CEIA é celebrada pelo povo, nada mais natural de que o povo fale na própria língua, às vezes incluindo até gíria.
5 – O GREGORIANO é substituído pelas “canções da comunidade”, geralmente de ritmo e estilo popular, alinhadas na cultura e costumes da comunidade local, decorrência lógica dos novos “dogmas” citados anteriormente.
3 – Leigos passam a exercer funções antes atribuídas somente aos sacerdotes.
O padre é laicizado (rebaixado à condição de leigo) e os fiéis são ‘elevados ao sacerdócio’: o povo passa a exercer funções antes atribuídas somente ao sacerdote, ou permitidas a leigos somente em casos extremamente excepcionais. Assim, após a reforma da liturgia, o que antes era exceção para os leigos, virou regra absoluta, como, por exemplo, distribuir a comunhão, dar a comunhão nas mãos dos fiéis ― que devem recebê-la em pé, não mais ajoelhados ― levar o Viático a enfermos, etc. E etc...
4 – O vernáculo substitui o Latim: pois, como a CEIA é celebrada pelo povo, nada mais natural de que o povo fale na própria língua, às vezes incluindo até gíria.
5 – O GREGORIANO é substituído pelas “canções da comunidade”, geralmente de ritmo e estilo popular, alinhadas na cultura e costumes da comunidade local, decorrência lógica dos novos “dogmas” citados anteriormente.
Haveria mais!...Porém, fiquemos por aqui.
Infelizmente, apesar da encíclica Mediator Dei (1947) de Pio XIII, as idéias do movimento liturgicista foram adiante triunfando na reforma litúrgica de Paulo VI, desenvolvida por Mons. Annibale Bugnini, com a colaboração de seis conhecidos pastores protestantes, e levando à verdadeira Babel litúrgica dos nossos dias.
A foto abaixo revela o instante da Consagração em uma Nova Missa...Neste caso, a foto é silenciosa só por ser foto, pois, na realidade sabemos que, em geral, há um alvoroço barulhento, uma mistura de palmas, gritos, exclamações ininteligíveis, quase sempre acompanhadas de canções dançantes, ao som de violões, de estridentes guitarras e retumbantes batuques. Note-se ainda na foto abaixo, a figura extremamente “piedosa” do “presidente” da “comunidade”...
Infelizmente, apesar da encíclica Mediator Dei (1947) de Pio XIII, as idéias do movimento liturgicista foram adiante triunfando na reforma litúrgica de Paulo VI, desenvolvida por Mons. Annibale Bugnini, com a colaboração de seis conhecidos pastores protestantes, e levando à verdadeira Babel litúrgica dos nossos dias.
A foto abaixo revela o instante da Consagração em uma Nova Missa...Neste caso, a foto é silenciosa só por ser foto, pois, na realidade sabemos que, em geral, há um alvoroço barulhento, uma mistura de palmas, gritos, exclamações ininteligíveis, quase sempre acompanhadas de canções dançantes, ao som de violões, de estridentes guitarras e retumbantes batuques. Note-se ainda na foto abaixo, a figura extremamente “piedosa” do “presidente” da “comunidade”...
Com isto, a unidade da Missa eclodiu, vaporizando-se em tantas “liturgias” (LEX ORANDI) quantos e conforme o engenho dos seus “presidentes”!... E seus cantos, variando em estilo e ritmo, conforme as centenas de compositores que, com uma prodigiosa capacidade de produção musical de baixíssimo nível e de péssimo gosto, infestam as igrejas e capelas em que antes a LEX CREDENDI proclamava a “renovação do Sacrifício do Calvário”, e a LEX ORANDI , em uníssono, e com todo o respeito e magnitude, oferecia a Deus Pai, o Santo Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, consumado no Calvário.
Porém, mutatis mutandis, mais uma vez se confirma a veracidade daquela expressão latina: “LEX ORANDI, LEX CREDENDI” ...embora agora às avessas, pois, em que realmente se crê na celebração litúrgica retratada na foto acima?
Daí o Santo Padre João-Paulo II ter publicado a encíclica Ecclesiam de Eucharistia e o documento Redemptionem Sacramentum, reclamando contra os abusos litúrgicos cometidos em todas as partes do mundo. Além disto, há pronunciamentos de diversos representantes do Clero impulsionando a volta do Gregoriano, do Latim, e até mesmo da Missa Tridentina, que jamais foi abolida, mas muito dificultada por grande parte de Bispos, apesar da expressa solicitação de João-Paulo II no Motu Próprio Ecclesia Dei (1988).
Daí a importante entrevista de Mons. Valentí Miserachs Grau, presidente do Instituto Pontifício de Música Sacra, intitulada “O canto gregoriano deveria regressar” (vide ZENIT «O canto gregoriano deveria regressar» 19/12/2005 – www.zenit.org/portuguese/ ).
Nessa entrevista, Monsenhor Grau, dentre outras, faz as seguintes afirmações:
1 – “O gregoriano foi abandonado” e “há uma opinião generalizada que coincide na necessidade de recuperar o latim”.2 – A música litúrgica atual acarretou “um empobrecimento geral” não conseguindo “enraizar-se na irrenunciável tradição da Igreja”.3 – Acrescenta ainda que “é incompreensível que se tenha deixado de lado o latim e o canto gregoriano nos últimos quarenta anos” (Justamente do final do Concílio Vaticano II -- 08 de dezembro de 1965 – até hoje: 40 anos!...como acabou-se de comemorar).4 – Reclama que o “latim e o canto gregoriano”, apesar de fazerem parte da tradição católica, “foram amputados. É como cortar as raízes, agora em que se fala tanto em raízes”.5 – Mons. Grau critica não só o estilo das canções cantadas pelas diversas “comunidades” atuais, como também a qualidade destas, afirmando que deixando de lado o gregoriano, a nova mentalidade criou “condições” para a proliferação “de novos produtos musicais” sem a qualidade necessária.6 – Desmentindo certos preconceitos atuais, afirmou ser “falso” afirmar que as pessoas de hoje são incapazes de cantar em latim, completando: “As pessoas antes sabiam cantar em latim os cantos básicos, hoje parece que se fazem esforços para que desaprendam o que já sabiam”.7 – Recomenda ainda “relançar o canto gregoriano” na Missa começando pelo “Pater Noster, o Kyrie, o Sanctus e o Agnus Dei”.
Neste ponto, perguntamos: a “LEX ORANDI” pós conciliar difere só na aparência, na casca, da “LEX ORANDI” pré conciliar?
A Santa Igreja Católica pode ter duas “LEX ORANDI” diferentes e opostas relativas à mesma “LEX CREDENDI”?... O pós concílio teria mudado somente a LEX ORANDI ?
Rezemos para que o DEUS MENINO nos conceda neste Natal a graça de voltarmos a ouvir, o quanto antes, e em todas as igrejas o “PUER NATUS”, o “ADESTE FIDELIS”, e outros cânticos, cujas letras e melodias são realmente a “LEX CANTANDI” da verdade de FÉ do Natal, ensinada pela “LEX CREDENDI” de sempre, e não mais as terríveis "músicas", típicas de certos programas de auditório, e que infelizmente infestam muitos salões e igrejas paroquiais.
Marcelo Fedeli
Natal de 2005
(fotos do site: http://www.unavox.it/FruttiPostconcilio/LiturgiaComparata/LiturgiaComparata01.htm)
Para citar este texto:
Marcelo Fedeli - "Canto Gregoriano e canções da comunidade eclesial de hoje -- duas missas, duas liturgias, duas teologias"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=retorno_gregoriano&lang=bra
Online, 11/06/2011 às 11:49h
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