(Leituras da Missa da Vigília: 1ª Leitura: Gn  11, 1-9; Sl 32, 10-11.12-13.14-15; 2ª Leitura: Ex 19,  3-8.16-20; Cântico de Daniel 3, 52-56; 3ª  Leitura: Ez 37, 1-14; Sl 106, 2-9; 4ª Leitura: Jl 3,  1-5; Sl 103, 1, 2ª.24 e 35c.27-28.29bc-30).
Leituras da missa: 1ª (5ª) At2, 1-11; Sl 103 (104) 1 ab.  24ac. 29bc-30.31.34; 2ª (6ª)1 Cor 12, 3b-7.12-13;  Evangelho: Jo 20, 19-23
“Vinde Espírito Criador, [...] fazei-nos conhecer o Pai e revelai-nos o  Filho!”
Veni Creator Spiritus (Hino do século IX)
Antes de ser uma festa cristã, Pentecostes era uma celebração judaica  particularmente sentida dentro do antigo calendário religioso judeu. Sete  semanas depois da festa dos pães ázimos, isto é, da Páscoa,  ocorria em Israel a festa das Semanas ou a festa das Primícias  (em hebraico, respectivamente, Shabuot e Bikurim).
Essa festa tinha como objeto a ação de graças do povo em virtude da colheita  do trigo e, para marcar esse momento, fazia-se no Templo a oferta das primícias  a Deus, isto é, os primeiros frutos da terra, simbolizados na entrega de um  primeiro feixe colhido no campo.
Era, portanto, uma festa inicialmente de caráter agrícola (cf. Ex,  23, 14; Nm 28, 26) onde se agradecia a generosidade de Deus pelos dons da  colheita.
Por ser o qüinquagésimo dia – na antiguidade o primeiro e o último dia de um  tempo festivo eram contados como um único dia – a festa foi chamada de  pentecostes, isto é, do grego qüinquagésimo (dia).
Era uma festa alegre e que posteriormente foi associada à recordação da  conclusão da Aliança no Sinai e à entrega da Lei, oferta generosa de Deus, por  meio de Moisés ao Povo eleito (cf. 2 Cr 15, 10-13).
Juntamente com a Páscoa, era uma das grandes festas de peregrinação para  Israel (cf. At 20, 16) e à qual todo judeu piedoso era chamado a  participar: “Achavam-se então em Jerusalém judeus piedosos, vindos de todas  as nações que há debaixo do céu” (At 2, 5).
Além do sentido de gratidão pelas primícias e pela entrega da Lei, havia  outros aspectos muito interessantes dentro dessa festa do Antigo Testamento.  Fílon de Alexandria, por exemplo, nos faz saber que o número cinquenta tinha um  significado especial para os judeus, pois remetia diretamente ao fato do  jubileu, isto é, à remissão que a cada cinqüenta anos os judeus deveriam fazer  em relação às dívidas e à libertação dos escravos (Lv 25, 10).
De fato, um pouco mais tarde, os Padres da Igreja também tirariam proveito  desse simbolismo, ao associarem o número cinqüenta ao perdão dos pecados:  “Alguns dizem que este número cinqüenta é símbolo da esperança e da remissão  que ocorre em Pentecostes” - dizia Clemente de Alexandria  (Stromata, VI, 11).
“Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados  ser-lhes-ão perdoados” – Evangelho: Jo 20, 22s.
Fazer a experiência do perdão é experimentar a misericórdia de Deus. A  palavra “misericórdia” vem do latim e faz uma referência ao coração  (cordis), um órgão que, segundo a cultura greco-romana, quer designar o  centro da pessoa, o seu íntimo; mas este termo possui também conotações  relativas à mutabilidade: ora o coração está alegre, ora está irritado... Já na  língua hebraica o termo usado para dizer a atitude de misericórdia de Deus para  com o homem é rahamim, isto é, o ventre, mais precisamente o útero  materno.
Experimentar o perdão de Deus é fazer uma experiência profunda de  regeneração: “Por ventura tornarão a viver estes ossos? [...] Profetiza a  esses ossos: Eis que vou fazer com que sejais penetrados pelo espírito e  vivereis”. (Ez 36, 3s).
De fato, é com o dom do Espírito Santo que “os mistérios pascais são  levados à plenitude” (cf. Prefácio do Domingo de Pentecostes).  Entendemos então porque na missa se pede ao Pai que o Espírito seja derramado  para que as oferendas se tornem o corpo e o sangue de Cristo [...] sangue  derramado por nós e por todos para a remissão dos pecados (cf.  Missal Romano, Oração Eucarística II).
A liturgia, por força do Espírito, nos faz experimentar no hoje da nossa  história a efusão do Espírito Santo, nos faz experimentar o mesmo dia de  Pentecostes vivido pelos Apóstolos nos primórdios da história do  cristianismo:
“No dia de Pentecostes (no termo das sete semanas pascais), a Páscoa de  Cristo completou-se com a efusão do Espírito Santo que Se manifestou, Se deu e  Se comunicou como Pessoa divina: da sua plenitude, Cristo Senhor derrama em  profusão o Espírito” (Catecismo da Igreja Católica n. 731).
Eis porque a Igreja insiste para que seja feita a Vigília da forma mais longa  - se possível também com a celebração das Vésperas (Liturgia das Horas) - com a  proclamação das leituras do Antigo Testamento, as quais retomam a história da  salvação:
“Irmãs e irmãos caríssimos, a exemplo dos Apóstolos e discípulos que, com  Maria, a Mãe de Jesus, perseveraram em oração, aguardando o Espírito prometido  pelo Senhor, ouçamos, de ânimo sereno, a Palavra de Deus”. (Missal Romano,  Apêndice, 1).
É através da efusão do Espírito em nossos corações que temos a certeza que  Deus nos ama e nos perdoa; que Ele nos oferece a possibilidade de reencontrarmos  a unidade perdida; a nós, que vivemos fragmentados dentro de um mundo  fragmentário (Gn 11, 1ss – a torre de Babel); justamente a nós foi dada a  possibilidade da unidade: “com efeito o corpo é um e, não obstante, tem  muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um  só corpo. Assim também acontece com Cristo” (1 Cor 12, 12).
E essa unidade só é possível em Cristo, o homem por excelência, por meio do  Espírito. É o que nos diz Santo Irineu neste belíssimo texto quando equipara o  Espírito à água:
“Assim como a farinha seca não pode, sem água, tornar-se uma só massa nem  um só pão, nós também, que somos muitos, não poderíamos transformar-nos num só  corpo, em Cristo Jesus, sem a água que vem do céu. E assim como a terra árida  não produz fruto se não for regada, também nós, que éramos antes como uma árvore  ressequida, jamais daríamos frutos de vida, sem a chuva da graça enviada do  alto”. (Santo Irineu, Tratado contra as Heresias, lib. 3, 17,  1-3)
A ação do Espírito contempla sem dúvida alguma também a dimensão do sujeito  individual. Isso fica patente ao longo da celebração litúrgica quando, por  exemplo, a voz do salmista, ao cantar na Sequência de Pentecostes, se expressa  nestes termos:
Sem a tua luz/nada o homem  pode/nenhum bem há nele/lava o que é  sujo/rega o que é árido/cura o que está  doente/Dobra o que é duro/aquece o que é frio/abre  caminho nas trevas
Mas há que se dizer que esta não é, por certo, a dimensão maior.
Pentecostes é algo que nos contempla enquanto pessoas, indivíduos, mas é  também algo que nos supera e em muito. O Espírito sopra onde quer (Jo  3, 8) e o Pai santifica a sua Igreja, una, em meio às diversidades humanas, e  derrama por toda a extensão do mundo os dons do Espírito para que  se realize agora no coração dos fiéis as maravilhas que ele operou  (cf. Oração do Dia).
Receber o Espírito de Deus significa estar aberto não só a Deus, mas também  ao próximo; significa concretamente abrir mão da própria individualidade para ir  em direção ao outro, significa “anunciar as maravilhas de Deus” (At 2, 11), o  Evangelho eterno (cf. Ap 14, 6), feito não só de palavras, mas de  gestos concretos; significa saber discernir os tempos e os momentos; significa  saber escutar a voz delicada e interior desse Espírito que geme dentro de nós e  nos faz proclamar que “Jesus é o Senhor!”. (1 Cor 12, 3).
 
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